Olá Pri,
Aqui estou novamente e sabe, já é outono outra vez. Se todos os dias pudessem ser como hoje seria perfeito, o sol não torrou a gente e não teve chuva parando a cidade, foi um clima gostoso. E logo será natal de novo, o tempo esta passando voando, três meses praticamente já se foram e eu ainda nem contei para a minha avó que você esta me dando espaço para existir, mas um passo de cada vez, tudo ao seu tempo, era o que havíamos combinado certo? Manteremos. Até porque não é uma coisa que envolve só eu, envolve minha mãe também que terá que aguentar a minha avó buzinando na orelha dela o tempo inteirinho e meu Deus do céu, tem dias que quero explodir e jogar tudo na cara dela, porque ela tem sido muito mal agradecida, acho que ela ignora o fato de que é a minha mãe a pessoa que mais cuida dela, de que era eu sentado no chão do hospital uma noite inteira enquanto ela estava deitada na cama dormindo enquanto esperávamos pelos exames ou que todo mundo se dispôs a fazer uma vaquinha para pagar um exame caríssimo que ela tinha que fazer e por cima, acho que ela nem agradeceu ao meu amigo que se virou nos 30 pra conseguir o exame dela no hospital do servidor para não termos que pagar um valor alto demais para um simples exames. Tem dias como no domingo que minha vontade é muito grande de jogar a bosta toda no ventilador, pq se ela não da valor, tipo, nem precisa agradecer sabe? Mas pelo menos dá valor, porra! Então se ela não da valor, que aprenda a lidar com essa realidade diferente de tudo o que ela já viu na vida. Tipo, pelo menos pare com essa putaria de tudo gritar, de tudo mandar a gente a merda, reconheça! Mas por enquanto, vamos manter o combinado, esperar o tempo certo, mas ainda assim, espero de verdade que ela enxerga as coisas que estão acontecendo em volta dela para que a bomba não precise explodir, porque sinceramente, eu posso aguentar até certo ponto, não posso segurar para sempre, então sabe, aproveita que melhorou da saúde, aproveita que tem um dia inteiro para fazer aquilo que gosta, aproveita o amor e o carinho que seus parentes dão ou continue se afundando nesse fanatismo religioso, mas deixando os outros em paz. É pedir muito? Se eu to seguindo os meus dias segurando tudo, porque ela não pode maneirar também? Como já falei antes, eu não tenho vergonha de você, eu não sou como os outros trans que não gosta nem de lembrar, mas quando ela finalmente souber é a hora que a gente se despede, é a hora que você deixa de existir e eu assumo o controle da vida, é assustador só de pensar, mas eu preciso seguir em frente, fazer valer apena toda a luta que você enfrentou até aqui, tem que valer alguma coisa, não é possível.
Tem outra coisa que quero lhe contar. Hoje tive uma reunião com um cara chamado Jorge Rosas, ele é diretor da diversidade e inclusão de PCD na ESPN do México, foi a primeira vez que falei com alguém, pessoalmente, que fala um espanhol misturado com um português. Tinha eu e mais dois colegas, eles representavam a inclusão de pessoas com deficiência, quer dizer, nós três representamos, mas eu representei a diversidade também e contei a ele que eu sou o primeiro homem trans na ESPN do Brasil e que tive muito apoio da emissora, tenho o crachá com meu nome social, e-mail e telefone com o nome social, posso usar o banheiro masculino a vontade. A minha equipe se adaptou rápido e tenho uma torcida maravilhosa de pessoas que continuam torcendo e vibrando para que eu consiga chegar lá onde eu almejo, desde criança. Vai fazer 7 anos que estou na empresa, é um bom tempo e se alguém tivesse me contado lá trás que um dia eu conquistaria tudo isso, eu não teria acreditado. Eu sempre achei que conquistaria a liberdade em casa primeiro e só depois no trabalho, mas no fim, foi ao contrário, foi no trabalho primeiro, quem diria. Espero que daqui uns anos, eu venha aqui no blog para finalmente poder falar que conquistei tudo o que eu queria para a minha vida e que isso seja antes dos meus últimos segundos de vida rs.
Falamos também sobre a inclusão. A minha colega até mencionou que para o crescimento profissional, parece que nós, deficientes temos um degrau a mais para conquistar coisas que pessoas sem deficiência, momento nenhum falamos que queremos que as coisas sejam mais fáceis, temos que ser tratados e cobrados como qualquer profissional, mas poxa, estamos em 2018, não passou da hora desse degrau deixar de existir, não? E tem gente que vai dizer que isso é coisa da nossa cabeça, mas a verdade é que o degrau realmente existe e acho que só quem passa pela situação é que realmente entenderá. O rapaz se chama Igor e a garota, muito inteligente por sinal, acho que se chama Gabriela, eles tem sonhos como qualquer um, sede de sucessos e aprendizados como qualquer um e adorei ter participado deste bate papo, pudemos nos conhecer melhor e aprender sobre a necessidade e sonhos de cada um. Uma pena que agora ele só volta ano que vem, mas o importante é que o primeiro passo já foi dado e quem diria hein, um bate papo com o diretor de diversidade e inclusão da ESPN, foi uma honra sim senhora. Muito provável que eu já tenha conquistado tudo o que tinha pra conquistar lá, mas me sinto com dever cumprido, sabe? Quer dizer, você pode se sentir com o dever cumprido, porque mesmo que a história acabe aqui, nós abrimos o caminho para os próximos transexuais que em breve ou futuramente venham para o time da ESPN, ensinamos as pessoas, do nosso jeito, mas ensinamos, afinal, tinham pessoas que nem sabiam o que era ser um transexual, lembra? Acredito de verdade que nós preparamos o caminho para os que estão vindo e acredito que será mais fácil para eles, porque as pessoas estão se abrindo para novos aprendizados, estão aprendendo a respeitar e isso é muito bom e eles estão vindo para reforçar tudo o que nós ensinamos e manter aberto o caminho que nós conseguimos finalmente abrir e tudo isso foi pela coragem que você teve Pri, não foi fácil, eu sei que não, de certa forma estive com você o tempo todo, mas como eu sempre falo nos post anteriores, você foi guerreira, você lutou até o último minuto, você sangrou, mas continuou se levantando após cada queda, você continuou em pé, firme e forte o tempo que fosse necessário e eu espero de verdade ter toda essa coragem e essa força que você teve, espero mesmo, para que um dia possamos chegar lá onde sonhamos, que um dia a gente encontre a tão aguardada paz.
Ah Pri, apesar das criticas e reclamações das pessoas que ando muito estressado, eu fui ao médico e troquei de antidepressivo, estou com aquele problema de me sentir um casto quando alguém quer vir me abraçar ou chegar perto demais, agora consigo entender melhor ainda o que você tentava dizer, é um sentimento horrível, parece que eu vou machucar a pessoa que me abraça, parece que vou espetar as pessoas que tentam chegar próximo a mim e infelizmente só percebi isso hoje quando eu estava na praça com uma grande amiga e uma colega, eu fui o último a chegar na praça e sentei um pouco distante, do tipo, cabia 2 pessoas entre eu e a minha amiga, mas eu não podia me aproximar, ninguém merece ser espetado por um casto, mas tenho certeza que daqui 1 semana o remédio começa a fazer efeito e vou ajeitando cada coisa em seu lugar.
E por finalizar, outro dia eu estava pensando, as crianças da nova geração, como o Rafinha, a Serena, Natália, elas estão crescendo conhecendo apenas você, mas não posso culpar ninguém, todo mundo finge que eu não existo porque eu mesmo pedi por causa da minha avó, mas não tem problema não, um dia, quando eu for livre, se precisar eu explicarei a cada uma delas com todo o prazer, embora eu acho que essa nova geração terá uma facilidade maior em entender as coisas, não são obrigadas a aceitar, mas acho que respeitarão, bem mais q a geração atual e é o ciclo, como eu disse para um amigo meu, as pessoas do nosso passado lutaram sem parar, para que hoje tivéssemos essa pequena liberdade que temos e nós continuaremos lutando, para que no futuro, as pessoas LGBT possam viver sem medo de ser feliz, de ser quem realmente são e assim por diante.
Bom, é isso.
Pedro.
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