Bom dia amiguinhos,
Todos bem?
Mês passado, a empresa onde trabalho realizou uma ação linda na comunidade Somasu, realizando uma restauração em uma quadra para incentivar o esporte para os jovens da comunidade, foi lindo, as criançada agradeceu apresentando danças, lutas e futebol.
Estive na inauguração, ficou tudo muito lindo.
Um mês depois fui convidado para fazer uma mini palestra para esses jovens falando sobre a minha trajetória até aqui. Provavelmente acontecerá no final do mês e eu não se conseguirei alguém para filmar (pelo celular mesmo) este momento único para mim, então resolvi postar aqui o texto que escrevi para apresentar neste dia, compartilhar com vocês, pelo menos desta maneira, espero que gostem.
Sejam todos bem vindos, meu nome é Pedro, tenho 31 anos, sou transexual e tenho uma deficiência auditiva (PCD) severa, do lado direito eu não escuto nada, no lado esquerdo, tenho 50% de audição, porém, ainda não faço o uso do aparelho auditivo, acredito que por teimosia talvez.
Quando eu terminei o colegial, fui direto para a faculdade, me formei cinco anos depois, graduação em Enfermagem pela UNIP. Vocês devem estar se perguntando por que alguém que fez faculdade na área da saúde esta trabalhando em uma empresa de esporte, não é mesmo?
Quando eu era mais novo, sempre sonhei em dedicar a minha vida cuidando da saúde do ser humano, sonhava em ir à África para fazer a diferença lá, mas fiz alguns estágios durante a faculdade e um desses estágios foi focado em pacientes com doenças terminais, que são aquelas pessoas cuja doença não tem cura ainda e foi ai que eu percebi que eu não estava no lugar certo, eu sou um cara muito sensível, não aguentei ver que infelizmente, tudo o que podíamos dar a eles era um conforto para a morte, então desisti, concluí a faculdade, mas não fiz carreira na área.
Após terminar a faculdade fiquei dois anos parado sem fazer nada, porque eu não me achava capaz de fazer qualquer trabalho por mais simples que fosse, por um lado porque eu achava que como deficiente eu não chegaria muito longe, principalmente, porque as pessoas tem pouquíssima paciência para repetir quando eu não entender e por outro lado, ninguém iria querer um funcionário transexual, porque verdade seja dita, muita gente ainda no dia de hoje não entende a transexualidade, eu me sentia completamente incapaz, tentei alguns trabalhos temporários como recepcionista de um salão, recepcionista de um escritório imobiliário e telefonista, nenhum desses empregos deram certo e eu desanimei totalmente e resolvi ficar dentro de casa para sempre. Mas as contas foram chegando, o dinheiro estava curto, me obriguei a tentar novamente, no mínimo, para ajudar em casa, só que eu não colocava no meu currículo que eu sou deficiente auditivo e transexual, eu acreditava que podia conseguir trabalho mais fácil se essas informações não fossem reveladas, mas eu estava errado, depois de meses tentando, me inscrevi em uma empresa que ajuda deficientes a conseguir emprego, não me lembro agora o nome da empresa, mas hoje em dia tem diversas empresas com o foco no PCD. Revelando apenas a informação de que sou PCD, as entrevistas começaram a aparecer, consegui emprego na Cacau Show, mas acabei não aceitando porque o caminho para chegar no local que a empresa estava ne época era perigoso demais para um trajeto as 7h da manhã, depois disso, fiz uma entrevista em uma escola, próximo ao metrô, a diretora gostou muito de mim, mas não deu certo porque ela precisava de alguém de imediato e eu não tinha toda a documentação em mãos que qualquer pessoa com deficiência precisa ter para se candidatar, mas ainda bem que nenhuma dessas entrevistas deram certo, porque a próxima foi uma entrevista para concorrer a uma vaga, aqui, na ESPN.
Eu me lembro de ter pensado que jamais que eu conseguiria uma vaga no time de uma empresa famosa e multinacional, mas quis arriscar, pelo menos eu tinha tentado. A primeira reunião foi na empresa que estava me ajudando, a segunda foi em uma unidade que tínhamos no Riverside que chamávamos de Riverside e eu me lembro de que fiquei muito nervoso, tudo o que eu tinha preparado para falar no dia anterior havia sumido da minha cabeça completamente, o que me deixou mais nervoso ainda e lembro que a moça que me entrevistava, muito simpática, disse que era apenas um bate-papo, ela apenas queria me conhecer melhor e acho que foi isso que facilitou bastante, a conversa começou a fluir e sem eu esperar, passei para a segunda fase, que foi uma entrevista aqui neste prédio, com a equipe do RH, minha futura chefe e duas pessoas da empresa que estavam me ajudando a conseguir um emprego. Eu me lembro de que usei muito humor na entrevista, afinal, na minha cabeça, eu não tinha nada a perder ali e acho que foi isso que me ajudou na etapa final. Quando terminamos e eu estava indo embora, perguntei para a moça que me acompanhou até a recepção se havia somente uma vaga e ela disse que sim. Fui embora me sentindo derrotado, com aquela sensação de que eu poderia ter feito melhor porque eu realmente precisava do emprego, fiquei para baixo alguns dias, até que recebi um telefonema do RH da ESPN dizendo que eu havia conseguido a vaga, foi tão estranho, qualquer pessoa teria pulado de alegria, ficado feliz, comemorado, mas eu não, eu fiquei me perguntando como era possível alguém como eu ter conseguido aquela vaga, era impossível, eu não conseguia acreditar de jeito nenhum, até que alguns dias depois recebi um e-mail solicitando toda a documentação para o preenchimento da vaga e foi ai que me dei conta de que tudo aquilo era real.
Quando comecei aqui há seis anos, comecei em uma salinha bem pequena, não tinha nem janela, era apenas eu, o mensageiro da época e o supervisor do transporte, trabalhando o dia todo naquela salinha apertadinha. Toda vez que a minha chefe aparecia eu tremia muito, tremia tanto, que meus colegas ficavam preocupados comigo, afinal, era primeira vez que eu estava trabalhando em uma empresa grande, registrado, um trabalho sério!
Comecei aqui como auxiliar de serviços gerais II, não o tipo de que trabalha na equipe da limpeza, mas o tipo que fazia tudo o que a chefe mandasse e foi nesta brincadeira que aprendi muita coisa, depois de algum tempo passei para auxiliar de administração e ai fui ficar em nossa outra unidade por dois anos, foi um dos maiores desafios d aminha vida, pois era a primeira vez que eu estava trabalhando sem a minha chefe por perto, sem colegas da mesma área, eu estava, de certa forma, sozinho e isso me deixou muito mais forte do que eu poderia imaginar, aprendi muito, socializei bastante e aguentei firme até o ultimo dia, aprendi a improvisar sempre que fosse necessário, a diretoria ficava na minha unidade, e o antigo diretor financeiro, viu todo meu trabalho e esforço e voltei de lá como assistente administrativo, o que me deu a oportunidade de expandir meu conhecimento.
Hoje, estou numa sala que o que não falta é o espaço para mais aprendizados. Tenho mais responsabilidades, mais serviços, responsável por mais coisas do prédio e todos os dias eu chego aqui na ESPN dando o meu melhor e faço isso já faz seis anos. No ano passado, eu tinha chegado ao meu limite e acabei revelando que sou transexual e passei a viver como um, a equipe que pertenço me recebeu muito bem, fui convidado a fazer parte de um grupo de diversidade aqui da empresa, sou o primeiro a representar a transexualidade na ESPN do Brasil e conquistei todos os meus direitos como trans.
O que estou tentando dizer a vocês, é que por mais difícil que pareça, por mais impossível que possa parecer de você conseguir chegar aonde você quer chegar, arrisque, vocês só percebem do que é capaz quando dá cara a tapa. Se eu cheguei até aqui, cada um de vocês podem chegar onde planejam e ir muito além de qualquer limite ou obstáculo que o mundo possa colocar no seu caminho.
Muito obrigado."
Abraços.
PD.
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