sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Edição Especial - Texão!

Boa noite amiguinhos.
Como estão vocês?
Embora o nº de pessoas que visitam meu blog caiu 90% kkkkk resolvi fazer uma edição especial.
A ideia era publicar só dia 29/01 que é o dia da visibilidade trans, mas eu sou ansioso demais então vai hoje mesmo rs.

Bom, vamos lá, conversar um pouquinho.
Eu tive esse convite para fazer algo para colocarmos na empresa em comemoração ao dia da visibilidade trans e fiquei muito contente e agradecido por ter sido o escolhido, embora eu não acho que vai ser aprovado ou que a ideia original que será colocada, mas...
Me deu a oportunidade de ver que da para resumir as principais coisas a serem ditas não só aos funcionários, mas a sociedade como um todo.

1º Ninguém vira da. Homem não vira mulher e mulher não vira homem, não é assim que funciona gente, até porque não é uma escolha, não é algo que a gente acorda em um sábado de sol e resolve ser do sexo oposto.
Não é uma revolta contra o sexo do nosso corpo, não é querer chamar a atenção.
É muito mais do que qualquer uma dessas bobeiras que as pessoas acham.
É algo tão intenso que é impossível colocar em palavras.
A gente adapta o sexo do nosso corpo ao sexo da nossa alma par atentarmos viver bem com a gente mesmo. Uma adaptação para sermos feliz.
Muitos trans, assim como eu ainda não tomam hormônios, no meu caso, porque eu sou hipertenso e nenhum médico que eu já tenha procurado quer arriscar entrar nesse desafio comigo por achar arriscado demais.
Muitos trans ainda não fizeram a cirurgia da retirada dos peitos, assim como eu, que ainda não consegui juntar esse dinheiro e também tenho um medo indescritível de morrer por mais que falem que essa cirurgia é tranquila.
Se estiverem me perguntando como eu tive coragem de fazer a primeira cirurgia, a que retirei 1kg e meio de peitos, bem, naquela época eu não tinha medo de morrer, parte de mim acreditava que se eu morresse eu poderia nascer de novo em um corpo certo.
Eu não aproveitei para tirar tudo porque as coisas ainda não estavam tão claras para mim, sem falar que naquela época o preconceito contra trans era 30x maior do que é hoje e eu não tinha a menor noção de como falar isso para a minha família.
Eu era novo demais.
Também tem trans que não fizeram a mudança de nome nos documentos, alguns por não serem assumidos ainda, outros por não terem dinheiro para pagar todo o processo, tem trans que simplesmente não querem trocar e tudo bem isso e tem trans como eu que tem medo de que não consiga psicologicamente suportar essa mudança, o mundo novo, é algo que não tem muita lógica para alguns, por exemplo, eu fico quebrando a minha cabeça, me perguntando "E se Deus não me amar mais? E se a minha mãe, a pessoa mais importante da minha vida inteira não me amar mais?"
Eu sei o que você está pensando "É claro que eles vão amar você." mas é algo que acontece dentro da nossa mente que por mais óbvio que seja, é preciso de um tempo para que ele realmente consiga entender. Mas tudo isso não quer dizer que os avanços na minha luta acabou.
Eu vou tentar de novo trocar meus documentos, a primeira vez ficaram de cu doce no cartório e não deu certo, mas eu vou tentar de novo, depois desse tombo que tomei, estou me levantando novamente, aos poucos para tentar mais uma vez e se eu cair de novo, eu vou precisar de um tempo, mas eu vou me levantar quantas vezes for preciso.
E vai ser ótimo, pq além de olhar para os meus documentos e ver que estou cada vez mais próximo de realizar os meus sonhos, vou ver quantas pessoas continuarão ao meu lado, terei certeza de quem serão as verdadeiras.

Desde pequeno eu sabia que algo estava errado, era um sentimento estranho, eu não sabia o que, não sabia como lidar com aquilo, era tudo muito estranho e como já disse 500x aqui no blog, minha família sempre foi muito religiosa, julgando muito aquilo que é certo e errado, o que pode e o que não pode, como se eles mesmos que ditassem as regras, então como conversar com eles sobre isso?
Era um mundo que eu nunca tinha visto antes e que iria ter que conhece-lo sozinho.
Eu me lembro como se fosse ontem quando eu brincava com meus primos e primas de casinha, de policia e ladrão, eu sempre queria ser o homem da história, eles não entendiam porque eu insistia nisso, eu não os culpava, porque eu também não entendia o suficiente para poder explicar.

Lembro também quando eu ia para a casa da minha tia em Cornélio Procópio, no Paraná, ela levava eu e uma amiga para o clube nadar na piscina e eu simplesmente odiava de verdade ter que colocar a parte de cima do biquini, enquanto meus seios ainda não tinham crescido, eles me deixavam não colocar, eram os momentos que eu me sentia livre, separei uma foto para vocês verem.




Não reclamem da qualidade da foto que é foto da foto de uma foto de 500 anos atrás rs.
Mas a verdade é que desde aquela época eu já sabia.
Eu queria ser um garoto.
Porque eu não podia ser?
Pq os adultos tinham que definir o que eu era?
Porque a sociedade sempre vencia?
E pior que naquela época nem tinha internet cheia de informações como tem hoje.
Eu me sentia sozinho e perdido, eu tinha medo porque não sabia o que estava acontecendo, mas em momentos gostosos como esses das fotos, eu conseguia me divertir um pouco.
Nessa primeira foto, que estou com uma velha amiga, eu me lembro de ter perguntado a mim mesmo porque eu não era como ela, toda feminina, toda garotinha, porque eu não queria ser?
Era tudo muito confuso, confuso demais da conta.

O tempo passou e minha mãe descobriu que eu me relacionava com mulheres.
Pareceu o fim do mundo.
Tivemos várias brigas, brigas feias mesmo, achei que nosso relacionamento não ia sobreviver.
Graças a Deus que ele nos ajudou e o tempo também.
Hoje não somos só filho e mãe, somos melhores amigos.

Alguns anos depois eu me assumi como trans para a família inteira, de uma vez só, usando o Facebook, tivemos problemas, de novo, mas foi mais fácil de superar, quer dizer, não foi fácil, mas a gente conseguiu também, meus primos e primas ajudaram, os parentes mais próximo ajudaram, um amigo meu ajudou, todo mundo entendeu e se uniram para me ajudar a fazer entende-la que isso não é uma escolha, que não é o fim do mundo, que não é culpa minha, que não fui influenciado por más companhias, que ela não tinha perdido uma filha, ela estava apenas recuperando o seu filho.
E de novo, depois de um tempo entre trancos e barrancos, conseguimos ficar de boa, graças a Deus.

Não é uma escolha gente.
Quem escolheria ser o que mais causa morte?
Quem escolheria ser o que mais mata no mundo?
Quem escolheria viver de preconceito? Transfobia?
Por onde passar sempre ter um te olhando torto?
Ver as pessoas entortando o nariz quando você entra no banheiro.
Quem escolheria ter que lutar 3x mais do que uma pessoa que não é?
Ter que passar por cirurgias, tratamento hormonal, gastar dinheiro com documentos e todo o transtorno? Ficar tentando uma vida inteira ser quem realmente é?
Nós vivemos em um país onde mais matam transexuais em todo o mundo.
Não é escolha. Não é.

Você sabe quantos transexuais e travesti morreram no Brasil em 2018? 163.
Cento e sessenta e três pessoas morreram apenas por estarem tentando ser quem realmente são.
Daqui a pouco estaremos em outro século e o preconceito não está nem pouco perto de acabar.
Não só contra trans, mas contra toda a comunidade LGBT.
Contra os negros, índios, idosos, gordos e mulheres.
Eu sinceramente acho que o fim do preconceito é um sonho nosso que nunca será realizado, talvez daqui uns 10 anos esteja minimizado, as pessoas podem não abrir mais a boca como fazem agora, não acharem que tem direito de bater e matar, mas elas não irão se esforçar para espantar seus pensamentos, para compreender um pouco mais.
Eu acho que o amor não pode mais salvar esse mundo, ele já esta perdido.

Enfim, no colegial conheci um grupo LGBT, fizemos amizades, era muito estranho, não por eles serem LGBT, mas por estarem fora do armário sem medo nenhum, eles viviam com o foda-se o mundo completamente ligado, eu admirava todos eles, mas eu não conseguia ser igual, então, já no colegial eu acreditava que conseguiria disfarçar tudo tendo cabelo cumprido, um brinco, um colar, sei lá, que dava para disfarçar. Olhem eu no colegial com meu professor favorito:



Sim, no colegial eu era magro e sim, sou eu sim.
Olhem para a minha cara e me digam se eu era feliz.
Não era, porque eu tinha uma baralha diária contra mim mesmo, pq eu não entendia as coisas, eles não entendia, as coisas, a sociedade, o mundo, ninguém entendia nada.
Era tudo muito complicado demais.
Quando terminei o colegial, prestei vestibular e fui para a faculdade.
Lá eu consegui colocar um dedo do pé pra fora do armário.
Já usava boné, já usava algumas bermudas e meu apelido, por mais que eu tentei disfarçar as coisas, era Juninho Play, que passava no zorra total rs.
As pessoas sabiam, não falavam sobre isso comigo, mas sabiam e algumas aceitaram bem melhor do que eu rs.

A faculdade acabou 4 anos e meio depois.
Sim, eu tenho bacharel em Enfermagem, mas nunca exerci a profissão, era demais para o meu coração, aquelas pessoas acamadas lutando pela vida, simplesmente não deu.
Fiquei dois anos parados até que fui chamado para uma entrevista de trabalho.
Sete anos depois estou no mesmo emprego, graças a Deus rs.
Eu fiquei dois anos na primeira unidade, que hoje, é a única unidade em SP.
Fui transferido para uma unidade em pinheiros, que seria algo temporário e no fim, virou definitivo.
Fique dois anos lá.
Ganhei grandes experiencias, grandes conhecimentos, que me ajudaram muito a ser um profissional melhor,
Fiz algumas belas amizades.
Mas foi muito difícil para mim, eu estava com muita dificuldade em me adaptar.
Cheguei a pedir demissão para a minha chefe, que não aceitou, graças a Deus rs.
Alguns meses depois eu fui me adaptando, fui fazendo do novo local do trabalho meu segundo lar.
Tudo foi se encaixando, dando certo, tudo foi ficando maravilhoso e ai saiu a verba para voltarmos para a unidade principal e ficarmos todos juntos, que raiva! 
Lá vai eu de novo com o jogo de adaptação rs.
Mas antes de voltar para essa unidade, em algum momento, alguma coisa deu errado comigo, eu não estava mais conseguindo suportar a dor de ser eu neste corpo, não suportava mais ter que fingir ser quem não sou. Contei para algumas amigas do trabalho e elas me deram a força do mundo, eles me ajudaram a escolher meu nome, foram as primeiras me chamando no masculino, mas ainda estava doendo, estava doendo muito e eu não sabia o que fazer, para onde correr, para quem gritar socorro, não sabia o que fazer para que parasse de doer.
Eu estaria mentindo para vocês se eu falasse que eu nunca pensei em suicídio.
Pensei, muitas vezes, mas eu sabia que eu não podia fazer isso pq Deus havia me dado essa vida então só ele podia tirar e tbm que eu tinha uma mãe que eu amava demais aponto de deixa-la sozinha nesse mundo.
Eu queria que a dor parasse, pensei em me matar dezenas de vezes, mas aquela não poderia ser a única solução, tinha que ter outra maneira de fazer isso, tinha que ter!
O tempo foi passando e eu continuava sem saber.
Então um dia pensei que a dor física poderia superar a dor do coração.
Pq meus amigos, não tem remédio para dor no coração, na alma.
E então eu fui atrás de dor física.



Eu tinha voltado a fumar e comecei a apagar o cigarro no braço, apertava até abrir um buraco na minha pele e começar a doer.
Dava certo nos primeiros minutos, mas depois eu ficava com as duas dores, a da alma e a física.
E mesmo sabendo que não resolvia, eu continuava cometendo o mesmo erro e falava para o pessoal de casa que eu tinha me machucado em uma máquina do serviço.
Minhas duas amigas da antiga unidade descobriram e contaram para o RH que graças a Deus me ofereceram ajuda psicológica imediatamente, no começo relutei, mas depois que eu vi que já estava no fundo do poço, que estava ficando tarde demais para mim, aceitei e fiz seis meses de terapia e foi muito bom, embora muita gente não acredita no poder da terapia, acreditem em mim, realmente ajuda, de verdade mesmo.
Eu ainda não consigo aceitar as coisas 100%, mas estou muito melhor do que estava antes.
Eu consegui sair do armário não só para toda a empresa, como para todos os amigos e familiares.
Eu consegui a partir desse momento, fora do armário, respirar um pouco melhor, coisa que nunca achei que aconteceria nessa vida.
Fiz minha primeira tatuagem em cima dessas cicatrizes, eu não gostava de olhar para elas e lembrar o quanto fui fraco, o quão na merda eu consegui chegar.
Fiz um skate quebrado, porque me lembro de que comecei a andar de skate e isso me ajudou muito a superar as dificuldades, é um skate quebrado em forma de coração.
Em 2016 eu fiz outra tatuagem representando o fim do armário.
Um tempo depois fiz uma linha cardíaca entre elas.
Perto do skate as linhas estão baixas representando que minha alma estava morrendo um pouco cada dia e próximo ao 2016, as linhas estão começando a se levantar, representando que eu estava melhorando, que eu estava pronto de novo para iniciar uma nova luta.
E por último os botões do vídeo game, que também me ajudou muito psicologicamente e virou um grande amor rs.
Já sei qual será a quinta tatuagem, mas não vou comentar aqui, é surpresa rs.

Não prometo a vocês que será bem em breve, mas prometo que estou me levantando para lutar novamente e que vou atrás da minha documentação, vou atrás dos meus direitos, nem que eu morra tentando, vou atrás de tentar ser feliz, pq eu mereço, pq eu tenho tentado dar as pessoas o melhor de mim.

Eu espero que com a minha história de vida eu consiga ensinar pelo menos uma pessoa que ser transexual não se escolher, não é uma opção, que somos seres humanos como todos no mundo, que merecemos ter nossos direitos como todos, que merecemos o amor, como todos.
Espero que as pessoas tenham mais compaixão e parem de nos matar.
De abrir temporada de caça contra nós.
Nós só queremos viver, como todos vocês, na paz, com sonhos, com saúde.
Eu espero ter ensinado que não é fácil lidar com uma vida completamente diferente.
Que não é fácil ter forças todos os dias.
Que não é só pq eu tenho seios, voz feminina e medo de barata rs, que eu sou menos homem do que outros, que não é só pq tenho vagina, e órgãos femininos que sou menos homem.

Espero ter ensinado pelo menos uma pessoa que eu tenho um bom coração.
Que quero sempre o melhor para as pessoas.
Que eu trabalho, pago contas, impostos, como qualquer um.
Que amo meu trabalho e dou tudo de mim.
Que não tenho pressa para encontrar uma namorada, que não vejo o menor problema se nunca mais eu tiver uma, porque sinceramente, acho que não tenho mais idade para perder tempo estando com alguém que não gosto só para não ficar sozinho.
Para mim relacionamento é importante.
O amor é importante.
É preciso estar 100% pronto para um relacionamento.
Espero que compreendam que eu tenho o direito de usar o banheiro masculino, não é só porque eu tenho uma prótese peniana que sou menos homem.
O que importa está dentro de mim.
Esta na alma.

2º Falei sobre as 163 mortes em 2018.
3º Falei sobre terem mais respeito.
Falei sobre podermos usar o banheiro.
Respeito a identidade do gênero.

Enfim, se eu achar a foto dos meus rabiscos, posto em uma próxima vez.
E já falei até demais né?

É isso, estou indo para a luta, sozinho, porque tenho que fazer isso sozinho, tenho que lidar com isso, essa guerra é minha, essa luta é minha, mas eu voltarei e voltarei meus amigos, mais forte do que nunca.
Não se preocupem.

Enquanto eu viver, continuarei lutando, não só por mim, mas por todos os trans.

21/01 - Dia da visibilidade trans.
Amem e respeitem o próximo.
É tudo o que peço.

Um grande abraço,
Pedro.

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