domingo, 23 de setembro de 2018

Felicidade por um fio *Spoiler*


Boa tarde amiguinhos.
Como vocês estão? Como sempre, espero que bem.
Hoje vou falar sobre um filme, que vi em uma postagem no fb de uma velha amiga:
Felicidade por um fio.
Se você ainda não assistiu, eu recomendo e se vc pretende assistir, não termine de ler esse post, contém spoiler. Estão avisados.

O filme fala sobre a história de uma mulher negra que passa a vida inteira dela se dedicando a perfeição e isso inclui alisar o cabelo, viver com ele penteado o tempo todo, o que chamariam de "cabelo perfeito".
Além disso, a mãe dela controlando ela o tempo todo através da tal necessidade de perfeição pela beleza, mas como uma mulher há muito tempo atrás, que cuidava do meu cabelo quando eu ainda vivia minha personagem com cabelos grandes disse:" Toda beleza tem o seu preço." e seguindo nessa mesma linha de pensamento, essa mulher não conseguia viver, por mais que ela achasse que estava no caminho certo, não estava literalmente feliz, assim como eu não estava feliz.
Ela perdia horas e horas com a mãe "perfeicionando" o cabelo dela, me fez lembrar muito da minha infância, quando eu ficava sentado por horas enquanto minha mãe alisava o meu cabelo e só parava quando estava "perfeito" que significa liso, o invejoso cabelo liso escorrido de japonesas, como era muito mencionado na minha época.
A mãe da personagem principal, mesmo na terceira idade, continuava desperdiçando o tempo alisando o cabelo acreditando que era aquela a perfeição, a minha mãe também ainda faz isso, fica horas e horas na frente do espelho e só sai de lá quando se da por satisfeita, assim como a irmã dela, as primas e assim por diante.
A personagem, chega em um momento da vida dela que ela esta cansada demais, as coisas começaram a desandar, vida amorosa, profissional e tudo a leva ao limite de tudo o que ela podia aguentar, então ela raspa o cabelo, todinho, como eu faço hoje em dia, no dia seguinte ela tem um choque ao se olhar no espelho e lembrar que raspou a cabeça, quando a mãe dela viu, desmaiou, o que é natural de mães, ou vocês acham que quando raspei minha cabeça pela primeira vez, minha mãe morreu de amores? Não mesmo!

Ao longo do filme ela recebe respostas de suas perguntas mesmo que não as tenha feito em voz alta, ela entende que para ser feliz ela precisa se aceitar do que jeito que é, mesmo se ser ela mesma fuja dos padrões impostos pela sociedade que acha que pode mandar em tudo, que podem ditar todas as regras, inclusive, as que tratam de aparência.
No filme, tanto a personagem principal como a mãe, evitavam qualquer coisa que pudesse tirar o liso do cabelo delas, como as mãos do namorado, sexo no cheiro, piscina. E no fim isso tudo é ridículo, porque nós não podemos perder tempo sendo de um jeito apenas para agradar a sociedade ou aqueles que acham que nos ama.
No noivado dela, o rapaz pede para ela fazer algo no cabelo antes do jantar, ela se decepciona, mas aceita a se sujeitar a isso, o que mais tarde fez ela perceber que o noivo dela ligava mais para a aparência dela do que para a felicidade dela.
Ela conhece um rapaz que é a maior simplicidade do mundo, cabeleireiro, pai solteiro, que faz o seu próprio xampu, no final, não aparece eles ficando juntos, prefiro pensar que ficaram, por ela viu que era esse o cara que ela precisava, que não ligava para aparência, que sabia que a simplicidade e naturalidade da mulher era muito mais importante do que viver de uma maneira que não a deixa feliz.
Ele soube mostrar a ela que até o cabelo crespo ou enrolado tem a sua própria beleza e isso é verdade mesmo, eles tem mesmo as suas próprias belezas, não é o liso do cabelo que define isso ou aquele cabelo loiro brilhante.
A beleza esta na simplicidade até mesmo dos mínimos detalhes.
É como ela disse no final, ela cresceu aprendendo a ser a mulher que os homens querem e não quem ela quer ser, aprendeu a viver fazendo o companheiro feliz e não sendo feliz, de fato, a separação com o noivo lhe foi a melhor coisa que aconteceu, porque ela finalmente entendeu o que era ser feliz.

O meu cabelo é crespo. As vezes até faço piadinha dele mesmo.
A minha infância e adolescência foi sentada em uma cadeira alisando eles por horas até ficar no que eu acreditava ser perfeito, eu invejava o cabelo liso natural das amigas que não precisavam ficar alisando toda semana.
Eu não tinha uma aparência feminina e nunca pretendi ter.
As vezes que eu tinha, era sempre para tentar agradar minha mãe, a sociedade, mas quem me conhece verdadeiramente sabia e sabe que eu não era feliz, eu apenas tentava adaptar as coisas, para mim, faz os outros felizes era mais importante e sinceramente, quando cortei o cabelo curto, foi quando comecei a ser feliz, quando raspei, me livrei de qualquer fio de cabelo, me senti mais feliz ainda e desde então continuo raspando, mesmo escutando várias pessoas falando que eu não ficava bem de cabeça raspada, eu ignorei e continuei raspando, porque depois de 30 anos vivendo uma personagem, era hora de eu fazer algo por mim, de ser feliz, me libertar.
Eu e minha mãe passamos por uma fase extremamente difícil, quando eu achei que era o fim, mas graças a Deus, algumas pessoas da vida dela a fizeram abrir o olho e hoje estamos bem.
Já meu pai, é meio como o pai da personagem principal, ele não se mete muito para não ficar no meio, o pai da personagem achei mais liberal, embora ele nunca falou literalmente durante o filme todo, deu para perceber que ele sempre foi a favor de fazer aquilo que a fazia feliz, não se metia pq a ex-esposa não era nada fácil, mas quando a filha se libertou, ele apoiou e abraçou a causa.
Já meu pai, embora ele não fale, não acho que ele concorda com a minha aparência, mas pelo menos ele não enche o meu saco, claro que quando contei a ele que eu sou homem trans, esperava que ele passasse a me tratar como filho, que ele tivesse mais facilidade em me chamar pelo nome social, em lidar com isso, porque quando falei para ele que eu curto mulheres, foi tão tranquilo que a julgar dessa tranquilidade, achei que seria assim novamente, mas não foi e tudo bem.

Quando eu era mais nova, a aparência importava muito para eles.
Não só o cabelo, a roupa, a maneira de andar, sentar, de comportar, tudo isso tinha mais peso.
Eu me lembro de uma festa de aniversário, não lembro de que, que fizemos quando morávamos em um sobrado na rua tito, minha mãe estava brava comigo porque eu não estava vestido adequadamente, tenho uma foto, não sei onde ela está agora, no fundo aparece minhas primas por parte do meu pai, quase que atrás de uma parede que dividia a sala da cozinha e eu estava sentado na escada que dá para os quartos, triste da vida, porque eu não queria vestir blusinha e eu só podia participar da festa se me vestisse como elas, no fim eu cedi e vesti para poder ficar na festa, mas eu não estava feliz.
Durante esses 30 anos, eu tive momentos felizes, mas eu não era literalmente feliz, porque o tempo todo estava tentando agradar não só meus pais ou a família, mas uma sociedade inteira.

Ainda não sou feliz, tenho momentos felizes, pq a verdade é que mesmo com tudo o que conquistei até aqui, ainda não me sinto livre, ainda não me sinto eu mesmo, eu achava que após a morte da minha avó, que era a mais difícil em relação a aparência eu seria finalmente livre, poderia respirar de verdade, mas eu estava completamente errado, eu estou mais aliviado e respiro melhor, mas ainda não cheguei onde eu queria, embora tenho tido recaídas muito grande, eu quero continuar tentando e parar só quando eu chegar lá, mesmo que a esperança da cirurgia de retirada de seios tenta morrido, eu quero continuar lutando ou morrer tentando, porque eu realmente acredito que a felicidade de dentro pra fora é muito mais importante do que a aparência e eu não estou correndo atrás de ter uma aparência masculina para agradar ninguém, muito pelo contrário, estou correndo atrás para que eu possa sentir eu mesmo, para que eu possa ser livre, viver minha vida, ser eu mesmo.
E mesmo estando parado agora, sem estar dando nenhum passo pra frente, sei que preciso me mexer se eu quiser mais para a minha vida.

Essa semana que passou tive dois momentos extremamente desagradáveis, um deles foi ligando no banco para me informar das taxas dos serviços deles, falei meu nome de registro porque é ele que esta no meu contrato com o banco, eu havia pedido para mudar, mas como eu não tinha mudado nos documentos ainda, me informaram que eu só podia mudar no cartão e foi o que fiz, mas mudaram no sistema também e não me avisaram, então, a mulher que me atendeu disse que não podia me dar as informações, somente para o Pedro, foi quando eu disse que eu sou homem trans e Pedro é meu nome social, ou seja, que ela podia me dar as informações, acho que ela não acreditou muito, porque além de me fazer 550 perguntas, como por exemplo os nomes dos meus pais, meu nascimento, onde moro e os números dos documentos, ela disse que o sistema estava indisponível para me dar informações concretas que só podia falar baseado nas taxas de uma forma geral, como que estava indisponível se ela viu no sistema que meu nome era Pedro? Entendem o que quero dizer?

Outra situação foi no banheiro, tem uma equipe que esta reformando o sistema do nosso elevador depois de ter ficado anos indisponível para uso e quando entrei no banheiro eles me olharam torto, como se estivessem se perguntando o que uma mulher estava fazendo ali que era o banheiro dos homens. 
A verdade é que apesar de eu ter traços masculinos como meus amigos dizem, meus seios me entregam completamente, só não me confundem como mulher quando estou de blusão, que ai os seios ficam escondidos. Aqueles olhares foi o fim da picada, extremamente desconfortável, tanto que comentei com a minha colega da mesa ao lado que eu estava coagitando parar de usar o banheiro enquanto eles estavam em horário de trabalho, mas a verdade é que se eu fizesse isso, eles venceriam.
Continuei usando e vou continuar, até porque eu sei, querendo ou não, que enquanto tiver seios e documentos com meu nome de registro, eu terei um mundo inteiro para lutar contra, antes, eu achava que estava ensinando as pessoas a respeitarem a diferença, hoje, já não acho mais, tudo o que parece ser é que preciso lutar pelo meu lugar no mundo e que essa luta é bem maior justamente por eu ser diferente e o fato de eu ainda não me aceitar completamente como homem trans não me ajuda muito.

As pessoas brincam demais, julgam demais e ainda não entenderam que a falta de conhecimento, respeito e compreensão delas é capaz de matar qualquer um da comunidade GLBT, não só trans, como homossexuais, pansexuais e até bissexuais já sofreram com isso.
A humanidade avançou muito em aceitar as pessoas como são comparando a décadas atrás como costumava ser bem pior, mas essa mesma humanidade ainda tem muito o que aprender, não só em relação ao preconceito contra os GLBT, mas contra os pobres, os negros, os gordos, contra qualquer um que não se encaixa no que é dito normal pela sociedade, essa é a grande verdade que ninguém quer encarar e aceitar.

Antes eu tinha esperança de encontrar uma mulher para me relacionar, que conseguisse me enxergar como eu realmente sou, que conseguisse ver além dos meus seios, além de qualquer traço feminino que eu possa ter, que consiga ver o homem que eu sou e me tratar como um.
Uma mulher que consiga entender a importância disso para mim, de conseguir viver comigo respeitando a minha verdadeira identidade, compreendendo as minhas limitações.
Hoje já não tenho mais essa esperança, porque 95% das pessoas só enxergam aquilo que é visível aos olhos, aquilo que querem ver, ninguém consegue ver o que esta dentro do meu coração, ou pelo menos ninguém que eu tenha conhecido até hoje consegue ver isso a ponto de se relacionar com a verdadeira pessoa que eu sou, apesar das brincadeiras da galera, eu não tenho a menor pressa de ter uma relação agora ou nos próximos anos, porque pelo menos eu não tenho o desgosto de ter que ficar com alguém que não me entende, como eu fiz por muitos anos só para pelo menos poder ter alguém do meu lado, em relação a relacionamento, eu estou completamente em paz, se algum dia eu achar alguém que consegue me entender, respeitar e aceitar, ótimo, mas se isso não acontecer nessa vida, não vejo o menor problema, porque eu vou dedicando o meu tempo em coisas que quero para a minha vida, do que estar perdendo tempo em uma relação que não é verdadeira.

Eu sempre fico muito feliz com as pessoas que me tratam como o homem que eu sou, porque elas estão vendo meu coração, mesmo que só como amigo, colega, funcionário ou um simples conhecido.
Mas eu sou humano, é extremamente natural eu sangrar quando me tratam no feminino, mas eu sei que independente de qualquer coisa, eu quero sempre estar respeitando as pessoas, independente da visão politica, religiosa, opção sexual, orientação sexual ou cor. E eu realmente acredito, que em um futuro distante, os que ainda estiverem na terra com vida, poderão comemorar para sempre o fim do preconceito, ou pelo menos, eu quero acreditar nisso, poque sem esperança e sonhos, o que sobra da vida?

Então meu amigo, para cada dia que você acorda, que você vive a sua vida, você tem duas opções, você pode abrir o coração, os olhos e a mente e aceitar cada um na sua singularidade e simplicidade de ser ou você pode ser um babaca, simples assim.
Antes de julgar, se coloque no lugar da pessoa, é assim que você gostaria que tratassem você se a história fosse ao contrário? É assim que você gostaria de ver seu filho sendo tratado?
É preciso pensar, aprender e estar aberto as coisas novas, as possibilidades da vida.
É preciso aprender a viver com as diferenças das pessoas e se possível, ajuda-las a viver junto nessa sociedade, que poderia ter feito a história da humanidade muito mais bonita se não tivesse presos em uma visão totalmente distorcida da comunidade LGBT.

Então, peço a todos os meus leitores, que pensem nisso toda vez que estiverem diante de alguém que seja diferente de você ou da sociedade, essas mesmas pessoas tem sentimentos e querem ter uma vida boa e tranquila assim como você também quer.
Seja diferente, respeite os outros, nunca se sabe o dia de amanhã, você tanto pode matar uma vida como pode salvar uma vida para sempre.

E eu?
Eu vou continuar aqui, tentando lutar por aquilo que quero para mim.
Tentando ser livre, tentando viver.

É como uma personagem lésbica do antigo seriado E.R disse em uma das suas cenas para uma mulher que gostava dela, mas não se entregava completamente a relação.

"Lutar? Eu não quero lutar, eu quero apenas continuar e acho que você também deveria."

Pedro.

sábado, 15 de setembro de 2018

Papos e papos - 2018


Boa noite amiguinhos.
Como vocês estão?
Sim, aqui estou eu de novo escrevendo um dos meus desabafos... De novo.
No fim das contas, percebi que as pessoas acreditam facilmente naquilo que vê.
Uma foto postada "Pq hoje é sabadão", algumas piadinhas ou imagem engraçada, imaginam que estou bem, seguindo bem, mas nunca que talvez aquelas coisas postadas estejam ali para manter as aparências.

Estou sentindo uma saudades enorme da minha avó, muito mesmo.
Ontem doeu para caramba.
Coloquei músicas enquanto eu jantava, ia no banheiro e fumava, qualquer coisa para espantar os pensamentos, não pq não quero lembrar dela, mas pq ainda dói de um jeito que parece que arrancaram um pedaço da gente quando as lembranças tomam conta.
Ouvi músicas, joguei, assisti seriados, alguma coisa tinha que resolver.
A verdade é que ainda não me livrei do sentimento de culpa e não sei se vou me livrar algum dia.
De ter chegado tão tarde, mesmo correndo contra o tempo, de ter sido tão tarde demais.
De não ter aparecido na última semana que ela estava no hospital, de não ter percebido como ela estava ruim e do quanto precisava de ajuda.
Me arrependo de todas as vezes que falei palavrão durante uma briga só para deixa-la com mais raiva ainda, de ter desejado que ela me esquecesse só para que eu pudesse viver minha vida.
De várias coisas.

É estranho, sempre imaginei que quando ela não morasse mais aqui, eu não seria obrigado a ficar fumando lá no quintal em dias de frio, que eu poderia comprar quantas cervejas eu quisesse para deixar na geladeira sem ter que me justificar por isso, que poderia ficar com a prótese em casa também, que falaria no masculino porque minha família me reconheceria como homem já que ela não estaria aqui para ter uma decepção que poderia infarta-la, imaginei que eu poderia sair tarde e voltar a hora que quisesse porque ela não estaria aqui enchendo o saco da minha mãe, são alguns exemplos que consigo pensar agora.

Continuo fumando lá fora faça frio ou calor.
Na geladeira só tem uma ou duas latinhas.
Não uso a prótese em casa.
Não falo no masculino e minha família não me reconhece como homem.
Nunca mais sai mesmo podendo voltar tarde.
A liberdade que eu queria tanto não faz mais sentido agora e não sei porque.

Ainda estou no quarto dela, mudei ele de novo, esta bem diferente do que costumava ser e mesmo assim toda vez que eu entro lá, a saudade me dói mais ainda, as vezes, não tanto, sento para jogar vídeo game e consigo espantar pensamentos e sentimentos e consigo ficar numa boa, outras vezes, nem quero estar lá, é estranho, diziam que iria passar tudo isso, não passou, a ferida continua doendo.

Achei que aquele dia no velório, pedindo desculpas a ela por tudo, seria suficiente.
Não foi.
Eu deveria ter feito isso na vitima, na última semana, naquela que nunca apareci.
Mas eu estava fraco demais para encarar a realidade e não me esforcei para aparecer.
Sim, eu me arrependo profundamente por não ter aparecido e seria realmente muito bom se eu pudesse voltar no tempo e fazer isso, mas a verdade é que ela partiu e eu nunca mais poderei me despedir de forma decente, nunca mais poderei pedir desculpas por tudo.
E ninguém me ensinou como viver com um arrependimento de que nada no mundo seria suficiente para ajeitar isso.
As vezes tenho uns momentos que juro que estou te vendo andando pela casa, as vezes sonho com você, mas do que adianta? Não sou que nem aquelas pessoas que acreditam que mesmo ela não estando aqui conseguiria me ouvir.
A verdade é que cometi um erro grave e nada pode reparar isso, mas preciso ser homem e saber lidar com as dores que nunca irão passar e não é uma questão de querer ou não.


Essa noite tive um sonho muito louco, eu havia estacionado meu carro em algum lugar, mas não conseguia lembrar onde, eu corria pelas ruas do bairro desesperadamente procurando o carro, mas era um desespero muito grande, não parecia ser somente um carro, eu ligava para os amigos pedindo ajuda, eu chorava enquanto corria, eu precisava de qualquer jeito encontrar aquele carro, foi a coisa mais assustadora e eu acordei ouvindo os gritos ainda, acordei assustado, soando, tremendo, apelei para algumas gotas do revotril, uma oração e 2 cigarros.
E aquele pensamento louco "Eu estou vivo mesmo? Eu estou aqui ou esse é o inferno?".
Dor de cabeça, medo, dificuldade de respirar, um caos.
E a sensação que tive é que estou, de forma inconsciente e desesperadamente procurando pelas respostas das minhas perguntas, que eu não consigo continuar se eu não as tiver.
E se me perguntarem quais são as perguntas que tanto me incomodam, não saberia dizer exatamente, o que é pior ainda, porque ninguém poderia ajudar eu a encontrar respostas se não sabem as perguntas.

Enfim...
Outro dia conversei com a minha mãe sobre ser chamado pelo nome social, pronomes masculinos ou ser tratado como homem aqui dentro de casa, não era para ter sido uma cobrança, era para ter sido apenas um bate papo comum, mas acabou sendo uma cobrança e ela deu o maior exemplo que eu poderia ouvir em vida, porque só assim consegui entender porque as pessoas tem dificuldades em se adaptar com a minha identidade original.

Eu a chamaria de mãe dali em diante.
Não, eu não a chamo de mãe desde pequeno, a vida toda a chamei pelo nome, nunca tive tal costume, ela nunca me cobrou isso, eu aceitei o desafio, ia mostrar como é simples a adaptação, mas falhei miseravelmente, mas ao mesmo tempo, consegui entender, que quando se vive com uma pessoa a mais de décadas, é mais difícil mesmo de uma hora para outra, mudar as coisas por mais simples que pareçam ser.
Depois disso não cobrei mais, não falei mais sobre isso, porque eu finalmente entendi e tinha perdido todas as minhas defesas.
Então, vamos seguir em frente assim mesmo, mas os outros fora de casa não, os outros terão que respeitar meu nome social, minha identidade de gênero, usar os pronomes certo.

Mas apesar de eu não concordar com muitas coisas no trabalho, apesar de não me conformar com muitas coisas e acima de tudo, apesar, de continuarem olhando torto para mim mesmo eu não tendo culpa do que aconteceu em relação a briga entre dois departamentos grandes, o trabalho é o único lugar que continuo me sentindo o homem que eu sou, continuo me sentindo bem, usando o banheiro masculino, usando a prótese, os colegas respeitando minha identidade, principalmente a galera que trabalha nos estúdios, gravações, eles parecem ter uma mente mais aberta, uma facilidade para entender a transexualidade e se adaptar a minha nova identidade.
Nos corredores me cumprimentando com a mão, me chamando de Pedrão, falando de mulheres do jeito que sempre falam quando só estão entre homens e seguindo esse papo quero aproveitar e agradecer ao meu melhor amigo Ednildo, que apesar dos socos que quase me joga do outro lado da rua, é um dos que mais me trata como homem, ao pessoal do estúdio, que fez eu me sentir muito bem vindo no churrasco que eles fizeram na quinta-feira e por todas as vezes que me tratam bem lá no trabalho, a Rejane que sempre me puxa para cima quando estou para baixo por algo que aconteceu e eu não soube lidar, a Jady do jurídico que me orientou com as documentações que preciso levar para mudar os nomes nos documentos, até porque jurei que ela será minha última tentativa, na verdade, tenho que agradecer muitas pessoas que estão sempre dando o seu melhor porque sabem que isso é extremamente importante para mim e não menos importante, tenho sim que deixar um agradecimento para a minha mãe, que mesmo ela não conseguindo se adaptar, o que juro que consigo entender agora, ela me respeita, ela consegue me entender agora e isso já não é mais um motivo de briga entre a gente, graças a Deus!
Ah! E agradeço também a minha chefe que eu me lembro, no comecinho quando me assumi, meus colegas ainda me tratando no feminino e ela ficava em cima, corrigindo eles o tempo inteirinho até eles conseguirem se adaptar a minha nova identidade e isso foi muito importante para mim sim.

Sou muito grato pelas conquistas que tive até aqui, mas é estranho, me sinto sem forças de novo, parece que nunca vou conseguir completar a transição, vejo fotos de homens trans que chegaram onde queriam chegar, fotos que você olha e nem acredita que são homens trans e penso, caramba, nunca chegarei nem na metade do caminho que eles chegaram e ai lembro que já tenho 32 anos e o tempo ta correndo, ai que tenho certeza de que nunca chegarei lá mesmo, mas fico feliz por todos os que conseguiram chegar lá depois de tanta luta e também estou feliz pelas pequenas conquistas que tive até aqui, mesmo que sejam só elas.

Acho que as facadas que tomei na última semana que me deixou fraco.
Facadas em formas de palavras jogadas pra cima de mim desnecessariamente e a falta de me defender, como se eu merecesse ser esfaqueado e ficar ali sangrando.

"Você esta estudando para ser homem..."
"Já que você quer virar homem..."
"Já que você decidiu virar homem tem que saber ser um..."
"É esse o tipo de homem que você quer ser?"
"Eu já nasci homem, você ainda esta aprendendo a ser um."
"Porque você resolveu virar homem, é tão bom ser mulher."
"Você quer virar homem para ficar mais fácil pegar mulher?."
"Você apelou tentar virar homem para ver se ai consegue pegar alguma mulher?"

Sim, escutei todas essas frases nessa última semana que acabou.
E não, eu não respondi nada a altura para devolver a porrada que me deram.
Só vejo que ainda falta muita informação na sociedade e é meio decepcionante, porque, achei que eu estava ensinando as pessoas, que estava ensinando elas em como lidar com pessoas trans, a importância de trata-las respeitando sua identidade, ensinando que o fato de sermos trans não nos torna menos humanos.
Achei que eu estava ensinando alguma coisa, mas não estou.
Nunca estive.

É muita coisa na minha cabeça que não sei lidar com elas, por mais que eu tente.
É muita coisa na minha cabeça, até pensei em voltar a fazer terapia.
Pensei em baixar um aplicativo para malhar em casa.
Pensei em fazer dieta e tomar hormônios por conta própria.
Pensei em muitas coisas que poderia me ajudar, mas eu preciso ter forças, eu preciso reagir, eu preciso levantar do chão de novo e não sei se consigo, ser trans em um país que mais mata LGBT em todo o mundo é preciso de 3x mais de forças do que a vida exige, ainda mais se o Bolsonaro ganhar e brincar de comandar o país, mas vamos deixar esse último tópico para lá, no ponto em que chegamos na história da humanidade, me recuso a comentar sobre politica, cada um vota em quem quiser, por isso que o voto é livre, eu sei que não voltarei nele, mas também sei que as outras opções que temos não são nada boas.
Um dia me imaginei como presidente, eu não iria querer todo o luxo, eu não ia querer manter as aparências ou prometer coisas ao povo brasileiro só para votarem em mim, se eu chegasse lá na presidência, eu iria querer tentar mudar o país, as leis, a justiça, dar um pouco de alegria ao povo, dar aquilo que é deles e lhe foi tirado desde que a corrupção existiu pela primeira vez, estamos destruídos há muito tempo, eu iria querer fazer as coisas do jeito certo, para dar a eles um pouco de alívio, principalmente investindo milhões na saúde e na educação, é o minimo que o povo brasileiro merece, eu não iria fazer tudo para ser reeleito, mas sei que meu nome entraria para a história, porque eu manteria a simplicidade e humildade que a minha avó me ensinou a vida inteira e daria ao povo brasileiro aquilo que é deles por direito, mas é como eu estava conversando com meu colega William outro dia, no dia de hoje, as pessoas colocam o dinheiro acima de qualquer coisa e isso é tremendamente horrível, quanto mais tem, mais querem ter.
É lamentável.

Enfim...
Vamos tentando seguir em frente, ok?
Colocando músicas quando esta difícil cantando enquanto dirigimos já que o som do carro quebrou.
Assistindo filmes, séries, jogando, qualquer coisa para seguir em frente espantando os pensamentos.
E seja onde minha vó estiver, espero de coração que tenha encontrado a paz que almejou a vida inteira.

Quanto aos que me julgam, não esperem um pedido de desculpas, um dia a verdade será revelada e finalmente verão que eu estava sendo sincero o tempo todo quando eu repetidamente disse que eu não sou o vilão da história.

Quanto a família, espero que não precisem esperar que mais alguém morra para que então estejam reunidos no mesmo lugar, todos eles.

Enfim meus amigos, se cuidem, ok?
Que Deus nos abençoe e abençoe o Brasil.

Um abraço,
Pedro.

sábado, 1 de setembro de 2018

2º Semestre de 2018


Boa tarde amiguinhos.
Como vocês estão?
E no fim das contas, agosto foi embora, pela primeira vez na história da humanidade, foi tão rápido que nem deu tempo de ter reclamações bobas no face rs.
Mas sei lá, sabem?
Esse segundo semestre de 2018 esta sendo do caralho pra mim.
Perdi minha avó...
Ontem a noite eu estava pensando se algum dia a culpa que sinto pela morte dela vai passar.
Se eu não tivesse dormido tanto nas aulas da faculdade, saberia ver algum sintoma, algum sinal...
Se eu não tivesse tão viciado em trabalho, teria insistido mais sobre as consultas que ela tinha...
Se eu não tivesse tão focado na minha luta contra mim mesmo, eu teria notado as mudanças...
Se eu não fosse um molenga, eu teria visitado ela em sua última semana com vida no hospital...
Eu sei, é muito "se eu...", mas são todos "se" reais.
Talvez algum dia passe.
Um primo disse que com o tempo vira uma saudade "gostosa", deve ser aquele tipo de saudade que dói, mas não machuca a ponto de jogar a gente no chão, que a gente lembra da pessoa com muito carinho, que a gente consiga focar só nas lembranças boas.
Uma outra amiga disse que com o tempo vai ficando mais "fácil", talvez ela esteja falando da aceitação, aceitar que ela não esta mais conosco e que é preciso seguir em frente.
Quando ficamos sozinhos lá no velório enquanto os outros foram trocar de roupa, eu senti que era o único momento que teríamos a sós (e foi...) e pedi desculpas por tudo, absolutamente por tudo, senti que eu precisava fazer isso, mas o "alívio" foi só por algumas horas, os primeiros dias talvez, porque continua pesando em mim, ta certo o que minha prima disse, que mesmo se ela tivesse sobrevivido eu nunca contaria nada pra ela, mas sei lá, não foi como eu pensei.
E não pedi desculpas só por não ter sido o neto que ela imaginou, mas por não ter chegado a tempo.
Estava tão distraído com as coisas da vida que não escutei quando deram a largada da corrida, não escutei os "pedidos de socorro", quando o estalo de "ei acorde, é real" veio, já era tarde demais, por mais que eu corresse com todas as minhas forças, eu nunca chegaria a tempo, era tarde demais.
Mesmo tirando minhas férias para ficar com ela no hospital, cuidando dela, as vezes dormindo com ela, não foi suficiente, nada foi.
Mas espero que ela tenha mesmo encontrado Deus, de verdade mesmo, mulher mais devota a ele do que ela, não conheço.
Espero mesmo que ela tenha encontrado a paz, que exista mesmo um paraíso onde todos possam viver sem todo o desgosto que o homem criou na terra, espero de coração, que ela tenha encontrado o que tanto procurava.

E meus amigos, eu sei que é chato pra caralho fazer exames, mas façam!
É chato pra caralho passar no médico, mas vão!
Façam check up, façam todos os exames, façam o que tem que fazer e ponto final.
Porque a saúde é rara, o ser humano tem o péssimo hábito de só ir atrás quando sente que ela esta comprometida, começar a se cuidar quando sente que esta perdendo ela e não precisa ser assim, não pode ser assim.
A vida é uma só, é esse momento, é o agora.
Você não sabe se estará vivo a noite, você não sabe se estará vivo a semana que vem ou mês que vem.
Você não sabe se estará vivo no natal ou no ano novo.
Nós não sabemos de nada, nós podemos fazer nossas escolhas e é nosso dever lidar com as consequências de cada uma delas.
Por exemplo, eu fumo, eu sei que causa Câncer, mas eu continuo fumando, porque eu gosto, me acalma e eu sei que futuramente, essa minha escolha, pode gerar uma conta muito mais alta do que eu posso pagar, o preço pode ser minha saúde, minha vida, mas como adulto é preciso saber lidar, para cada cigarro que ascendo, é uma escolha, uma consequência que virá na conta, mas eu sei disso e vou lidar como um adulto com isso e você? Esta certo das suas decisões? As consequências valerão apena?

A boa notícia do segundo semestre, é que completei 7 anos de ESPN.
Comecei em uma salinha que nem janela tinha, com alguns colegas que saíram e entraram da minha vida e daquela sala durante os primeiros anos, mas um colega que estava lá e esta até hoje, que virou um grande amigo, o Dario.
Ele ajudou a me soltar, a fazer amizades, a saber brincar com as pessoas e aceitar brincadeiras.
Ele me ajudou em muitas coisas, que se for pra fala de todas elas aqui, eu ficaria digitando até amanhã. Esta ai uma pessoa que serei eternamente grato.

Aprendi muitas coisas lá e continuo aprendendo, graças a Deus.
O conhecimento é um alimento que nunca acaba.
Ganhei parceiros, amigos, colegas, amo aquele lugar.

Sempre gosto de contar da história da minha entrevista.
Foi quando conheci a Lívia, uma mulher extraordinária, que tenho um carinho e uma gratidão enorme por ela. Na minha primeira entrevista foi só com ela e eu me lembro de que eu tinha treinado muito no dia anterior, estava pronto, eu tinha certeza disso e quando sentei na cadeira na frente dela, parecia que eu não sabia nem meu nome, ela foi a primeira pessoa que me deixou tão a vontade em uma entrevista de emprego, me lembro dela dizendo que só queria me conhecer um pouco, me lembro de pensar "Melhor não, eu to tentando até hoje e não entendi nada ainda." rs.
Falei um pouco, não consigo lembrar detalhes, sei que passei na primeira etapa.
A segunda foi com ela, uma outra mulher, da empresa que me trouxe, o Erik que era do RH também, a Patrícia, minha antiga chefe, não lembro se tinha mais gente, galera, me da um desconto, foi há 7 anos atrás, mal lembro o que fiz ontem!
Lembro que respondi as coisas com muito humor, muita gracinha e piadinha.
Lembro que o Erik ainda brincou que eu tinha perdido um ponto por ser corintiano.
E quando a entrevista terminou, pensei, puta merda, certeza que estou fora, não me custava nada ser mais sério, mas eu estava extremamente nervoso, eu queria muito aquele emprego, por um lado, para provar para as pessoas de casa de que eu era capaz de ter um emprego registrado, por outro lado, queria saber como era trabalhar em uma emissora de televisão e também pelo salário né rs.
Lembro que a Lívia me levou até a recepção, havia perguntado para ela quantas vagas eram, ela disse que só uma, eu pensei, caramba, vou ter que começar esse lance de entrevistas tudo de novo, mas valeu a experiência, alguns dias depois, recebi uma ligação, a vaga era minha.
O QUEEEEEEE????? COMO ASSIM, BRASIL?
O idiota que respondeu as perguntas com humor e fez gracinha na entrevista final conseguiu a vaga?
Era alguma brincadeira de péssimo gosto? Piadinha do ano? Não, eu tinha conseguido!
Rapaz...
E nossa, no meu primeiro ano eu morria de medo de ser mandado embora, eu tinha mais medo disso do que de morrer rs.
E toda vez que minha chefe chegava perto, eu só faltava me cagar de tanto medo.
Cometi muitos erros, mas também acertei e fiz bons gols.
Pensar que 7 anos se passaram e ainda estou lá...UAU!
Espero que Deus me permita ficar mais alguns lá, porque de gostar de trabalhar lá, virou estar apaixonado por trabalhar lá, então, ir trabalhar, é um prazer pra mim, fico até de mal humor quando chega sexta-feira rs.

E tem outra coisa também, serei muito vago sobre esse assunto, mas é preciso citar, porque ele faz parte do 2º semestre de 2018, do lado ruim, claro, mas faz parte.
Algo aconteceu e algumas pessoas foram advertidas por isso, essas pessoas acreditam que a culpa é minha de ter acontecido, mas não é, não vou ficar me justificando, não vou mais atrás tentar conversar com elas para mostrar que não é o que estão pensando, não vou me humilhar, minha consciência está tranquila.
Mas me deixou muito decepcionado, que fui julgado e excluído de um dia para o outro, que apontaram o dedo para mim, com a certeza do mundo dizendo que foi eu, mesmo sabendo que o outro lado da história ainda não tinha sido revelada já me culpavam, bom, agora que é tarde demais, o outro lado nunca será revelado, até porque a história esta caindo no esquecimento daqueles que estavam prontos para a grande luta, mas existia uma pessoa em questão que me decepcionou mais ainda por acreditar nas palavras que outros gritavam me acusando.
Mas não tem problema não, a verdade sempre aparece, a justiça tarda mas não falha.
E com isso aprendi, do jeito mais difícil, que nem todos aqueles que pensamos que são amigos, realmente são e nem todos aqueles que pensamos que são simples colegas, são apenas simples colegas, são aqueles que deveriam ser considerados amigos.
É como eu disse uma vez, a vida é um eterno aprendizado.
É hora de seguir em frente, colocar o ponto final e apenas ir, sem olhar para trás.

E por fim, um ultimo assunto:
A claro tem me ligado para voltar a ser cliente de celular depois de uma puta palhaçada que fizeram comigo e todas as vezes que ligavam obviamente eu atendia já vestido da personagem Priscila, porque é o nome que esta lá ainda e todas as vezes eles falavam que iam ligar depois para falar com ela porque não acreditavam que eu "era" ela e isso me irritava muito, porque além de ter que vestir a personagem, eu estava percebendo, sem conseguir acreditar direito, que por telefone, eu já não estava mais conseguindo dar vida a personagem e isso dava um pouco de medo, porque eu não saberia, na verdade, não sei, se isso pode de alguma maneira me prejudicar em lugares que ainda estou como Priscila. Mais tarde no mesmo dia a Sky ligou, pela centésima vez no mês, também para convencer a gente de voltar a ser cliente de TV, depois de uma puta palhaçada que fizeram com a gente, operadoras tem essa fama e não é a toa né?
Irritado com o que tinha acontecido mais cedo, nem vesti a personagem, falei: Aqui é O FILHO dela, pode falar comigo mesmo porque sou eu quem pagava as suas faturas...
Deu medo também, não sei se porque depois da ligação pensei que eles poderiam ligar no celular da minha mãe e falar "falamos com o seu filho mais cedo..." e ela não esta exatamente pronta pra isso ou se foi medo de ter dado mais um passo pra frente o tal do auto sabotagem que tanto me falam.

Sei que achei que quando minha avó não estive mais conosco, que fique claro que nunca desejei a morte dela, eu me sentiria livre, os elefantes sentados nas minhas costas iriam embora, os gritos dentro da mente calariam e os fantasmas sumiriam, porque eu viveria sem medo de magoa-la, sem medo dela descobrir o que não poderia entender.
Nada aconteceu, a porta da prisão esta aberta, mas ainda não consigo sair e não sei porque.
Sei que me da raiva toda vez que um parente me chama de Priscila, antes eles faziam isso porque eu havia pedido, em respeito a minha avó, agora não sei porque continuam fazendo.
Só sei que a única pessoa que eu simplesmente não me importo que me chame por esse nome e que me trate no feminino é minha mãe.
É diferente para mãe.
Mãe carregou na barriga por meses.
Acordava de madrugada para cuidar quando eu estava chorando.
Amamentou, cuidou, tentou ao máximo proteger das desgraças da humanidade.
Mãe é parceira, é anjo, esta sempre conosco.
Mãe é mãe, não tem jeito.
Mãe se preocupa até quando você esta resfriado, quando você quebra um braço.
Eu já tenho 32 anos e ela ainda me fala de manhã pra levar blusa que vai esfriar.
Eu ainda aviso quando vou chegar um pouco mais tarde em casa.
Mãe é um laço eterno que temos que não deve romper nunca.
Sem falar em tantos outros detalhes que eu passaria uma vida inteira digitando.
Minha mãe é a pessoa mais importante em toda a minha vida pra mim.
É a pessoa que eu mais amo desde que me conheço por gente e sempre vou amar.
Então, se ela me tratar no feminino até o fim, tudo bem.
Se ela continuar me chamando de Priscila, tudo bem também.
Agora os outros, a vontade é sentar a mão na orelha toda vez que vem com pronomes femininos e nome de registro.

Não tenho vergonha de quem fui.
A Priscila sempre vai fazer parte da minha história, não vou mata-la.
Não vou nega-la.
Ela não esta morrendo.
Eu que estou recomeçando, a gente esta apenas trocando de lugar.
Eu era um personagem que só podia viver no escurinho.
Personagem na verdade sempre foi a Pri, mas uma personagem que sempre vai viver dentro de mim com muito carinho e amor e não vou deixa-la presa no porão, sempre vai ter algo em mim que vão fazer vocês lembrarem dela.

Mas preciso viver.
Preciso me deixar viver.
Preciso encontrar a paz.
Preciso ser eu.
Esta me fazendo mal já, não no sentindo de me deixando doente.
Mas esta me deixando num cansaço psicológico que não tenho aguentado mais e não sei mais quanto tempo vou aguentar.
Porque preciso pensar.

Em casa tenho que falar no feminino, sou a Priscila e tenho a voz mais fina.
No trabalho, fora de casa e com os amigos, sou quem sou e com a voz normal, não digo que ela é grossa, porque não é, mas também não tão fina como eu tento deixar quando estou em casa.
Mas também preciso ter paciência, não é uma guerra que se ganha da noite pro dia, mas é que venho lutando a tanto tempo que cansa, lembro de um dia nessa semana ter pensado em desistir por estar cansado demais, ai lembrei que eu não posso desistir agora que cheguei até aqui, mas que é difícil é.
Enfim...

Termino deixando um agradecimento novamente, para as pessoas que surpreenderam ao aparecerem no velório da minha avó.
Beatriz de Paiva e sua mãe.
A mãe e o irmão do tio toninho.
A Elizabeth e o Roberto, amigos antigos da minha mãe.
A família do meu amigo Pablo.

Agradeço ao Luciano, marido da minha tia que não só ajudou a trocar o corpo da minha avó como esteve conosco em momentos importantes, ao Pablo que ficou com a gente por um bom tempo ajudando no que podia.

A verdade é que muitas pessoas ajudaram muito.
Algumas me surpreenderam com a sua grandeza.
Outras me decepcionaram muito, tanto que prefiro não citar nomes, não só família, como amigos também e amigos muito próximos que hoje já não são mais amigos.

E por hoje é só isso meus amigos.
Deus abençoe vocês.

E lembrem-se: A saúde é rara e a vida é só uma.

Um abraço,

Pedro.