sábado, 15 de setembro de 2018

Papos e papos - 2018


Boa noite amiguinhos.
Como vocês estão?
Sim, aqui estou eu de novo escrevendo um dos meus desabafos... De novo.
No fim das contas, percebi que as pessoas acreditam facilmente naquilo que vê.
Uma foto postada "Pq hoje é sabadão", algumas piadinhas ou imagem engraçada, imaginam que estou bem, seguindo bem, mas nunca que talvez aquelas coisas postadas estejam ali para manter as aparências.

Estou sentindo uma saudades enorme da minha avó, muito mesmo.
Ontem doeu para caramba.
Coloquei músicas enquanto eu jantava, ia no banheiro e fumava, qualquer coisa para espantar os pensamentos, não pq não quero lembrar dela, mas pq ainda dói de um jeito que parece que arrancaram um pedaço da gente quando as lembranças tomam conta.
Ouvi músicas, joguei, assisti seriados, alguma coisa tinha que resolver.
A verdade é que ainda não me livrei do sentimento de culpa e não sei se vou me livrar algum dia.
De ter chegado tão tarde, mesmo correndo contra o tempo, de ter sido tão tarde demais.
De não ter aparecido na última semana que ela estava no hospital, de não ter percebido como ela estava ruim e do quanto precisava de ajuda.
Me arrependo de todas as vezes que falei palavrão durante uma briga só para deixa-la com mais raiva ainda, de ter desejado que ela me esquecesse só para que eu pudesse viver minha vida.
De várias coisas.

É estranho, sempre imaginei que quando ela não morasse mais aqui, eu não seria obrigado a ficar fumando lá no quintal em dias de frio, que eu poderia comprar quantas cervejas eu quisesse para deixar na geladeira sem ter que me justificar por isso, que poderia ficar com a prótese em casa também, que falaria no masculino porque minha família me reconheceria como homem já que ela não estaria aqui para ter uma decepção que poderia infarta-la, imaginei que eu poderia sair tarde e voltar a hora que quisesse porque ela não estaria aqui enchendo o saco da minha mãe, são alguns exemplos que consigo pensar agora.

Continuo fumando lá fora faça frio ou calor.
Na geladeira só tem uma ou duas latinhas.
Não uso a prótese em casa.
Não falo no masculino e minha família não me reconhece como homem.
Nunca mais sai mesmo podendo voltar tarde.
A liberdade que eu queria tanto não faz mais sentido agora e não sei porque.

Ainda estou no quarto dela, mudei ele de novo, esta bem diferente do que costumava ser e mesmo assim toda vez que eu entro lá, a saudade me dói mais ainda, as vezes, não tanto, sento para jogar vídeo game e consigo espantar pensamentos e sentimentos e consigo ficar numa boa, outras vezes, nem quero estar lá, é estranho, diziam que iria passar tudo isso, não passou, a ferida continua doendo.

Achei que aquele dia no velório, pedindo desculpas a ela por tudo, seria suficiente.
Não foi.
Eu deveria ter feito isso na vitima, na última semana, naquela que nunca apareci.
Mas eu estava fraco demais para encarar a realidade e não me esforcei para aparecer.
Sim, eu me arrependo profundamente por não ter aparecido e seria realmente muito bom se eu pudesse voltar no tempo e fazer isso, mas a verdade é que ela partiu e eu nunca mais poderei me despedir de forma decente, nunca mais poderei pedir desculpas por tudo.
E ninguém me ensinou como viver com um arrependimento de que nada no mundo seria suficiente para ajeitar isso.
As vezes tenho uns momentos que juro que estou te vendo andando pela casa, as vezes sonho com você, mas do que adianta? Não sou que nem aquelas pessoas que acreditam que mesmo ela não estando aqui conseguiria me ouvir.
A verdade é que cometi um erro grave e nada pode reparar isso, mas preciso ser homem e saber lidar com as dores que nunca irão passar e não é uma questão de querer ou não.


Essa noite tive um sonho muito louco, eu havia estacionado meu carro em algum lugar, mas não conseguia lembrar onde, eu corria pelas ruas do bairro desesperadamente procurando o carro, mas era um desespero muito grande, não parecia ser somente um carro, eu ligava para os amigos pedindo ajuda, eu chorava enquanto corria, eu precisava de qualquer jeito encontrar aquele carro, foi a coisa mais assustadora e eu acordei ouvindo os gritos ainda, acordei assustado, soando, tremendo, apelei para algumas gotas do revotril, uma oração e 2 cigarros.
E aquele pensamento louco "Eu estou vivo mesmo? Eu estou aqui ou esse é o inferno?".
Dor de cabeça, medo, dificuldade de respirar, um caos.
E a sensação que tive é que estou, de forma inconsciente e desesperadamente procurando pelas respostas das minhas perguntas, que eu não consigo continuar se eu não as tiver.
E se me perguntarem quais são as perguntas que tanto me incomodam, não saberia dizer exatamente, o que é pior ainda, porque ninguém poderia ajudar eu a encontrar respostas se não sabem as perguntas.

Enfim...
Outro dia conversei com a minha mãe sobre ser chamado pelo nome social, pronomes masculinos ou ser tratado como homem aqui dentro de casa, não era para ter sido uma cobrança, era para ter sido apenas um bate papo comum, mas acabou sendo uma cobrança e ela deu o maior exemplo que eu poderia ouvir em vida, porque só assim consegui entender porque as pessoas tem dificuldades em se adaptar com a minha identidade original.

Eu a chamaria de mãe dali em diante.
Não, eu não a chamo de mãe desde pequeno, a vida toda a chamei pelo nome, nunca tive tal costume, ela nunca me cobrou isso, eu aceitei o desafio, ia mostrar como é simples a adaptação, mas falhei miseravelmente, mas ao mesmo tempo, consegui entender, que quando se vive com uma pessoa a mais de décadas, é mais difícil mesmo de uma hora para outra, mudar as coisas por mais simples que pareçam ser.
Depois disso não cobrei mais, não falei mais sobre isso, porque eu finalmente entendi e tinha perdido todas as minhas defesas.
Então, vamos seguir em frente assim mesmo, mas os outros fora de casa não, os outros terão que respeitar meu nome social, minha identidade de gênero, usar os pronomes certo.

Mas apesar de eu não concordar com muitas coisas no trabalho, apesar de não me conformar com muitas coisas e acima de tudo, apesar, de continuarem olhando torto para mim mesmo eu não tendo culpa do que aconteceu em relação a briga entre dois departamentos grandes, o trabalho é o único lugar que continuo me sentindo o homem que eu sou, continuo me sentindo bem, usando o banheiro masculino, usando a prótese, os colegas respeitando minha identidade, principalmente a galera que trabalha nos estúdios, gravações, eles parecem ter uma mente mais aberta, uma facilidade para entender a transexualidade e se adaptar a minha nova identidade.
Nos corredores me cumprimentando com a mão, me chamando de Pedrão, falando de mulheres do jeito que sempre falam quando só estão entre homens e seguindo esse papo quero aproveitar e agradecer ao meu melhor amigo Ednildo, que apesar dos socos que quase me joga do outro lado da rua, é um dos que mais me trata como homem, ao pessoal do estúdio, que fez eu me sentir muito bem vindo no churrasco que eles fizeram na quinta-feira e por todas as vezes que me tratam bem lá no trabalho, a Rejane que sempre me puxa para cima quando estou para baixo por algo que aconteceu e eu não soube lidar, a Jady do jurídico que me orientou com as documentações que preciso levar para mudar os nomes nos documentos, até porque jurei que ela será minha última tentativa, na verdade, tenho que agradecer muitas pessoas que estão sempre dando o seu melhor porque sabem que isso é extremamente importante para mim e não menos importante, tenho sim que deixar um agradecimento para a minha mãe, que mesmo ela não conseguindo se adaptar, o que juro que consigo entender agora, ela me respeita, ela consegue me entender agora e isso já não é mais um motivo de briga entre a gente, graças a Deus!
Ah! E agradeço também a minha chefe que eu me lembro, no comecinho quando me assumi, meus colegas ainda me tratando no feminino e ela ficava em cima, corrigindo eles o tempo inteirinho até eles conseguirem se adaptar a minha nova identidade e isso foi muito importante para mim sim.

Sou muito grato pelas conquistas que tive até aqui, mas é estranho, me sinto sem forças de novo, parece que nunca vou conseguir completar a transição, vejo fotos de homens trans que chegaram onde queriam chegar, fotos que você olha e nem acredita que são homens trans e penso, caramba, nunca chegarei nem na metade do caminho que eles chegaram e ai lembro que já tenho 32 anos e o tempo ta correndo, ai que tenho certeza de que nunca chegarei lá mesmo, mas fico feliz por todos os que conseguiram chegar lá depois de tanta luta e também estou feliz pelas pequenas conquistas que tive até aqui, mesmo que sejam só elas.

Acho que as facadas que tomei na última semana que me deixou fraco.
Facadas em formas de palavras jogadas pra cima de mim desnecessariamente e a falta de me defender, como se eu merecesse ser esfaqueado e ficar ali sangrando.

"Você esta estudando para ser homem..."
"Já que você quer virar homem..."
"Já que você decidiu virar homem tem que saber ser um..."
"É esse o tipo de homem que você quer ser?"
"Eu já nasci homem, você ainda esta aprendendo a ser um."
"Porque você resolveu virar homem, é tão bom ser mulher."
"Você quer virar homem para ficar mais fácil pegar mulher?."
"Você apelou tentar virar homem para ver se ai consegue pegar alguma mulher?"

Sim, escutei todas essas frases nessa última semana que acabou.
E não, eu não respondi nada a altura para devolver a porrada que me deram.
Só vejo que ainda falta muita informação na sociedade e é meio decepcionante, porque, achei que eu estava ensinando as pessoas, que estava ensinando elas em como lidar com pessoas trans, a importância de trata-las respeitando sua identidade, ensinando que o fato de sermos trans não nos torna menos humanos.
Achei que eu estava ensinando alguma coisa, mas não estou.
Nunca estive.

É muita coisa na minha cabeça que não sei lidar com elas, por mais que eu tente.
É muita coisa na minha cabeça, até pensei em voltar a fazer terapia.
Pensei em baixar um aplicativo para malhar em casa.
Pensei em fazer dieta e tomar hormônios por conta própria.
Pensei em muitas coisas que poderia me ajudar, mas eu preciso ter forças, eu preciso reagir, eu preciso levantar do chão de novo e não sei se consigo, ser trans em um país que mais mata LGBT em todo o mundo é preciso de 3x mais de forças do que a vida exige, ainda mais se o Bolsonaro ganhar e brincar de comandar o país, mas vamos deixar esse último tópico para lá, no ponto em que chegamos na história da humanidade, me recuso a comentar sobre politica, cada um vota em quem quiser, por isso que o voto é livre, eu sei que não voltarei nele, mas também sei que as outras opções que temos não são nada boas.
Um dia me imaginei como presidente, eu não iria querer todo o luxo, eu não ia querer manter as aparências ou prometer coisas ao povo brasileiro só para votarem em mim, se eu chegasse lá na presidência, eu iria querer tentar mudar o país, as leis, a justiça, dar um pouco de alegria ao povo, dar aquilo que é deles e lhe foi tirado desde que a corrupção existiu pela primeira vez, estamos destruídos há muito tempo, eu iria querer fazer as coisas do jeito certo, para dar a eles um pouco de alívio, principalmente investindo milhões na saúde e na educação, é o minimo que o povo brasileiro merece, eu não iria fazer tudo para ser reeleito, mas sei que meu nome entraria para a história, porque eu manteria a simplicidade e humildade que a minha avó me ensinou a vida inteira e daria ao povo brasileiro aquilo que é deles por direito, mas é como eu estava conversando com meu colega William outro dia, no dia de hoje, as pessoas colocam o dinheiro acima de qualquer coisa e isso é tremendamente horrível, quanto mais tem, mais querem ter.
É lamentável.

Enfim...
Vamos tentando seguir em frente, ok?
Colocando músicas quando esta difícil cantando enquanto dirigimos já que o som do carro quebrou.
Assistindo filmes, séries, jogando, qualquer coisa para seguir em frente espantando os pensamentos.
E seja onde minha vó estiver, espero de coração que tenha encontrado a paz que almejou a vida inteira.

Quanto aos que me julgam, não esperem um pedido de desculpas, um dia a verdade será revelada e finalmente verão que eu estava sendo sincero o tempo todo quando eu repetidamente disse que eu não sou o vilão da história.

Quanto a família, espero que não precisem esperar que mais alguém morra para que então estejam reunidos no mesmo lugar, todos eles.

Enfim meus amigos, se cuidem, ok?
Que Deus nos abençoe e abençoe o Brasil.

Um abraço,
Pedro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário