domingo, 23 de setembro de 2018

Felicidade por um fio *Spoiler*


Boa tarde amiguinhos.
Como vocês estão? Como sempre, espero que bem.
Hoje vou falar sobre um filme, que vi em uma postagem no fb de uma velha amiga:
Felicidade por um fio.
Se você ainda não assistiu, eu recomendo e se vc pretende assistir, não termine de ler esse post, contém spoiler. Estão avisados.

O filme fala sobre a história de uma mulher negra que passa a vida inteira dela se dedicando a perfeição e isso inclui alisar o cabelo, viver com ele penteado o tempo todo, o que chamariam de "cabelo perfeito".
Além disso, a mãe dela controlando ela o tempo todo através da tal necessidade de perfeição pela beleza, mas como uma mulher há muito tempo atrás, que cuidava do meu cabelo quando eu ainda vivia minha personagem com cabelos grandes disse:" Toda beleza tem o seu preço." e seguindo nessa mesma linha de pensamento, essa mulher não conseguia viver, por mais que ela achasse que estava no caminho certo, não estava literalmente feliz, assim como eu não estava feliz.
Ela perdia horas e horas com a mãe "perfeicionando" o cabelo dela, me fez lembrar muito da minha infância, quando eu ficava sentado por horas enquanto minha mãe alisava o meu cabelo e só parava quando estava "perfeito" que significa liso, o invejoso cabelo liso escorrido de japonesas, como era muito mencionado na minha época.
A mãe da personagem principal, mesmo na terceira idade, continuava desperdiçando o tempo alisando o cabelo acreditando que era aquela a perfeição, a minha mãe também ainda faz isso, fica horas e horas na frente do espelho e só sai de lá quando se da por satisfeita, assim como a irmã dela, as primas e assim por diante.
A personagem, chega em um momento da vida dela que ela esta cansada demais, as coisas começaram a desandar, vida amorosa, profissional e tudo a leva ao limite de tudo o que ela podia aguentar, então ela raspa o cabelo, todinho, como eu faço hoje em dia, no dia seguinte ela tem um choque ao se olhar no espelho e lembrar que raspou a cabeça, quando a mãe dela viu, desmaiou, o que é natural de mães, ou vocês acham que quando raspei minha cabeça pela primeira vez, minha mãe morreu de amores? Não mesmo!

Ao longo do filme ela recebe respostas de suas perguntas mesmo que não as tenha feito em voz alta, ela entende que para ser feliz ela precisa se aceitar do que jeito que é, mesmo se ser ela mesma fuja dos padrões impostos pela sociedade que acha que pode mandar em tudo, que podem ditar todas as regras, inclusive, as que tratam de aparência.
No filme, tanto a personagem principal como a mãe, evitavam qualquer coisa que pudesse tirar o liso do cabelo delas, como as mãos do namorado, sexo no cheiro, piscina. E no fim isso tudo é ridículo, porque nós não podemos perder tempo sendo de um jeito apenas para agradar a sociedade ou aqueles que acham que nos ama.
No noivado dela, o rapaz pede para ela fazer algo no cabelo antes do jantar, ela se decepciona, mas aceita a se sujeitar a isso, o que mais tarde fez ela perceber que o noivo dela ligava mais para a aparência dela do que para a felicidade dela.
Ela conhece um rapaz que é a maior simplicidade do mundo, cabeleireiro, pai solteiro, que faz o seu próprio xampu, no final, não aparece eles ficando juntos, prefiro pensar que ficaram, por ela viu que era esse o cara que ela precisava, que não ligava para aparência, que sabia que a simplicidade e naturalidade da mulher era muito mais importante do que viver de uma maneira que não a deixa feliz.
Ele soube mostrar a ela que até o cabelo crespo ou enrolado tem a sua própria beleza e isso é verdade mesmo, eles tem mesmo as suas próprias belezas, não é o liso do cabelo que define isso ou aquele cabelo loiro brilhante.
A beleza esta na simplicidade até mesmo dos mínimos detalhes.
É como ela disse no final, ela cresceu aprendendo a ser a mulher que os homens querem e não quem ela quer ser, aprendeu a viver fazendo o companheiro feliz e não sendo feliz, de fato, a separação com o noivo lhe foi a melhor coisa que aconteceu, porque ela finalmente entendeu o que era ser feliz.

O meu cabelo é crespo. As vezes até faço piadinha dele mesmo.
A minha infância e adolescência foi sentada em uma cadeira alisando eles por horas até ficar no que eu acreditava ser perfeito, eu invejava o cabelo liso natural das amigas que não precisavam ficar alisando toda semana.
Eu não tinha uma aparência feminina e nunca pretendi ter.
As vezes que eu tinha, era sempre para tentar agradar minha mãe, a sociedade, mas quem me conhece verdadeiramente sabia e sabe que eu não era feliz, eu apenas tentava adaptar as coisas, para mim, faz os outros felizes era mais importante e sinceramente, quando cortei o cabelo curto, foi quando comecei a ser feliz, quando raspei, me livrei de qualquer fio de cabelo, me senti mais feliz ainda e desde então continuo raspando, mesmo escutando várias pessoas falando que eu não ficava bem de cabeça raspada, eu ignorei e continuei raspando, porque depois de 30 anos vivendo uma personagem, era hora de eu fazer algo por mim, de ser feliz, me libertar.
Eu e minha mãe passamos por uma fase extremamente difícil, quando eu achei que era o fim, mas graças a Deus, algumas pessoas da vida dela a fizeram abrir o olho e hoje estamos bem.
Já meu pai, é meio como o pai da personagem principal, ele não se mete muito para não ficar no meio, o pai da personagem achei mais liberal, embora ele nunca falou literalmente durante o filme todo, deu para perceber que ele sempre foi a favor de fazer aquilo que a fazia feliz, não se metia pq a ex-esposa não era nada fácil, mas quando a filha se libertou, ele apoiou e abraçou a causa.
Já meu pai, embora ele não fale, não acho que ele concorda com a minha aparência, mas pelo menos ele não enche o meu saco, claro que quando contei a ele que eu sou homem trans, esperava que ele passasse a me tratar como filho, que ele tivesse mais facilidade em me chamar pelo nome social, em lidar com isso, porque quando falei para ele que eu curto mulheres, foi tão tranquilo que a julgar dessa tranquilidade, achei que seria assim novamente, mas não foi e tudo bem.

Quando eu era mais nova, a aparência importava muito para eles.
Não só o cabelo, a roupa, a maneira de andar, sentar, de comportar, tudo isso tinha mais peso.
Eu me lembro de uma festa de aniversário, não lembro de que, que fizemos quando morávamos em um sobrado na rua tito, minha mãe estava brava comigo porque eu não estava vestido adequadamente, tenho uma foto, não sei onde ela está agora, no fundo aparece minhas primas por parte do meu pai, quase que atrás de uma parede que dividia a sala da cozinha e eu estava sentado na escada que dá para os quartos, triste da vida, porque eu não queria vestir blusinha e eu só podia participar da festa se me vestisse como elas, no fim eu cedi e vesti para poder ficar na festa, mas eu não estava feliz.
Durante esses 30 anos, eu tive momentos felizes, mas eu não era literalmente feliz, porque o tempo todo estava tentando agradar não só meus pais ou a família, mas uma sociedade inteira.

Ainda não sou feliz, tenho momentos felizes, pq a verdade é que mesmo com tudo o que conquistei até aqui, ainda não me sinto livre, ainda não me sinto eu mesmo, eu achava que após a morte da minha avó, que era a mais difícil em relação a aparência eu seria finalmente livre, poderia respirar de verdade, mas eu estava completamente errado, eu estou mais aliviado e respiro melhor, mas ainda não cheguei onde eu queria, embora tenho tido recaídas muito grande, eu quero continuar tentando e parar só quando eu chegar lá, mesmo que a esperança da cirurgia de retirada de seios tenta morrido, eu quero continuar lutando ou morrer tentando, porque eu realmente acredito que a felicidade de dentro pra fora é muito mais importante do que a aparência e eu não estou correndo atrás de ter uma aparência masculina para agradar ninguém, muito pelo contrário, estou correndo atrás para que eu possa sentir eu mesmo, para que eu possa ser livre, viver minha vida, ser eu mesmo.
E mesmo estando parado agora, sem estar dando nenhum passo pra frente, sei que preciso me mexer se eu quiser mais para a minha vida.

Essa semana que passou tive dois momentos extremamente desagradáveis, um deles foi ligando no banco para me informar das taxas dos serviços deles, falei meu nome de registro porque é ele que esta no meu contrato com o banco, eu havia pedido para mudar, mas como eu não tinha mudado nos documentos ainda, me informaram que eu só podia mudar no cartão e foi o que fiz, mas mudaram no sistema também e não me avisaram, então, a mulher que me atendeu disse que não podia me dar as informações, somente para o Pedro, foi quando eu disse que eu sou homem trans e Pedro é meu nome social, ou seja, que ela podia me dar as informações, acho que ela não acreditou muito, porque além de me fazer 550 perguntas, como por exemplo os nomes dos meus pais, meu nascimento, onde moro e os números dos documentos, ela disse que o sistema estava indisponível para me dar informações concretas que só podia falar baseado nas taxas de uma forma geral, como que estava indisponível se ela viu no sistema que meu nome era Pedro? Entendem o que quero dizer?

Outra situação foi no banheiro, tem uma equipe que esta reformando o sistema do nosso elevador depois de ter ficado anos indisponível para uso e quando entrei no banheiro eles me olharam torto, como se estivessem se perguntando o que uma mulher estava fazendo ali que era o banheiro dos homens. 
A verdade é que apesar de eu ter traços masculinos como meus amigos dizem, meus seios me entregam completamente, só não me confundem como mulher quando estou de blusão, que ai os seios ficam escondidos. Aqueles olhares foi o fim da picada, extremamente desconfortável, tanto que comentei com a minha colega da mesa ao lado que eu estava coagitando parar de usar o banheiro enquanto eles estavam em horário de trabalho, mas a verdade é que se eu fizesse isso, eles venceriam.
Continuei usando e vou continuar, até porque eu sei, querendo ou não, que enquanto tiver seios e documentos com meu nome de registro, eu terei um mundo inteiro para lutar contra, antes, eu achava que estava ensinando as pessoas a respeitarem a diferença, hoje, já não acho mais, tudo o que parece ser é que preciso lutar pelo meu lugar no mundo e que essa luta é bem maior justamente por eu ser diferente e o fato de eu ainda não me aceitar completamente como homem trans não me ajuda muito.

As pessoas brincam demais, julgam demais e ainda não entenderam que a falta de conhecimento, respeito e compreensão delas é capaz de matar qualquer um da comunidade GLBT, não só trans, como homossexuais, pansexuais e até bissexuais já sofreram com isso.
A humanidade avançou muito em aceitar as pessoas como são comparando a décadas atrás como costumava ser bem pior, mas essa mesma humanidade ainda tem muito o que aprender, não só em relação ao preconceito contra os GLBT, mas contra os pobres, os negros, os gordos, contra qualquer um que não se encaixa no que é dito normal pela sociedade, essa é a grande verdade que ninguém quer encarar e aceitar.

Antes eu tinha esperança de encontrar uma mulher para me relacionar, que conseguisse me enxergar como eu realmente sou, que conseguisse ver além dos meus seios, além de qualquer traço feminino que eu possa ter, que consiga ver o homem que eu sou e me tratar como um.
Uma mulher que consiga entender a importância disso para mim, de conseguir viver comigo respeitando a minha verdadeira identidade, compreendendo as minhas limitações.
Hoje já não tenho mais essa esperança, porque 95% das pessoas só enxergam aquilo que é visível aos olhos, aquilo que querem ver, ninguém consegue ver o que esta dentro do meu coração, ou pelo menos ninguém que eu tenha conhecido até hoje consegue ver isso a ponto de se relacionar com a verdadeira pessoa que eu sou, apesar das brincadeiras da galera, eu não tenho a menor pressa de ter uma relação agora ou nos próximos anos, porque pelo menos eu não tenho o desgosto de ter que ficar com alguém que não me entende, como eu fiz por muitos anos só para pelo menos poder ter alguém do meu lado, em relação a relacionamento, eu estou completamente em paz, se algum dia eu achar alguém que consegue me entender, respeitar e aceitar, ótimo, mas se isso não acontecer nessa vida, não vejo o menor problema, porque eu vou dedicando o meu tempo em coisas que quero para a minha vida, do que estar perdendo tempo em uma relação que não é verdadeira.

Eu sempre fico muito feliz com as pessoas que me tratam como o homem que eu sou, porque elas estão vendo meu coração, mesmo que só como amigo, colega, funcionário ou um simples conhecido.
Mas eu sou humano, é extremamente natural eu sangrar quando me tratam no feminino, mas eu sei que independente de qualquer coisa, eu quero sempre estar respeitando as pessoas, independente da visão politica, religiosa, opção sexual, orientação sexual ou cor. E eu realmente acredito, que em um futuro distante, os que ainda estiverem na terra com vida, poderão comemorar para sempre o fim do preconceito, ou pelo menos, eu quero acreditar nisso, poque sem esperança e sonhos, o que sobra da vida?

Então meu amigo, para cada dia que você acorda, que você vive a sua vida, você tem duas opções, você pode abrir o coração, os olhos e a mente e aceitar cada um na sua singularidade e simplicidade de ser ou você pode ser um babaca, simples assim.
Antes de julgar, se coloque no lugar da pessoa, é assim que você gostaria que tratassem você se a história fosse ao contrário? É assim que você gostaria de ver seu filho sendo tratado?
É preciso pensar, aprender e estar aberto as coisas novas, as possibilidades da vida.
É preciso aprender a viver com as diferenças das pessoas e se possível, ajuda-las a viver junto nessa sociedade, que poderia ter feito a história da humanidade muito mais bonita se não tivesse presos em uma visão totalmente distorcida da comunidade LGBT.

Então, peço a todos os meus leitores, que pensem nisso toda vez que estiverem diante de alguém que seja diferente de você ou da sociedade, essas mesmas pessoas tem sentimentos e querem ter uma vida boa e tranquila assim como você também quer.
Seja diferente, respeite os outros, nunca se sabe o dia de amanhã, você tanto pode matar uma vida como pode salvar uma vida para sempre.

E eu?
Eu vou continuar aqui, tentando lutar por aquilo que quero para mim.
Tentando ser livre, tentando viver.

É como uma personagem lésbica do antigo seriado E.R disse em uma das suas cenas para uma mulher que gostava dela, mas não se entregava completamente a relação.

"Lutar? Eu não quero lutar, eu quero apenas continuar e acho que você também deveria."

Pedro.

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