sábado, 6 de outubro de 2018

Extraordinário!


Boa noite galerinha!
Como vocês estão?
Como podem ver a imagem acima acabei de assistir o filme Extraordinário.
Meu amigo me emprestou o DVD e disse para eu me preparar que eu ia chorar, eu lembro de ter pensando que bem capaz eu ia chorar com um filme e não é que eu chorei mesmo? Porque no final das contas, o filme é extremamente lindo e uma lição de vida enorme, no fim, o título diz tudo, ele é simplesmente extraordinário.

Depois que assisti o filme, parei para pensar um pouco na minha infância de uma forma geral.
Eu tive muitas dificuldades na escola, eu não tinha amigos, vivia isolado, sempre sendo motivo de tiração de sarro dos colegas, claro que ao passar dos anos, tive um ou dois amigos, mas sempre sendo alvo daquela turma ruim que toda escola tem.
Eu vivia na diretoria por causa de brigas, acho, inclusive, que deveriam ter feito uma cadeira com meu nome de tanto que eu ia para lá rs.
Eu não soube lidar com as coisas com a calma que o rapaz do filme teve, eu realmente achava que podia resolver tudo na base da agressão física.
Tirando o fato de que na primeira série eu não queria ficar na escola de jeito nenhum, só queria a minha mãe, que eu me lembre, vagamente, da 2º a 4º série foi super tranquilo, o problema mesmo foi a partir da 5º série, quando tive que mudar de escola pq na antiga não tinha as outras séries.

Eu tinha vergonha de assumir que eu tinha deficiência auditiva, então, eu não respondia a maioria das pessoas por ter essa dificuldade em escutar, por isso, me apelidaram de mudinho, porque eu não respondia quando falavam comigo, só as poucas vezes que eu conseguia entender a frase inteira e naquela época eu ainda não sabia leitura labial, então era a maior tiração de sarro, então um dia resolvi ir com o aparelho, a maneira que as pessoas me olhavam era aterrorizante, lembro que alguns colegas chegaram a perguntar o que era aquilo no meu ouvido e eu expliquei e eles ficaram chocados, como se fosse algo ruim, a experiência foi tão ruim, aqueles colegas ruins me atormentaram tanto que eu nunca mais fui para a escola de aparelho e sem perceber, ao longo dos anos, criei um bloqueio tão forte, que hoje, tenho 32 anos e não usei desde então, é meio ruim, porque mesmo na fase adulta, as vezes, as pessoas dão risada quando peço para repetir, mesmo sabendo que tenho deficiência auditiva e eu me sinto muito mal, mas o ser humano é assim mesmo.
Não sei se a minha mãe lembra, provavelmente não, mas quando eu era bem mais novo, fomos ao médico e lembro como se fosse ontem que ele disse que eu deveria usar o aparelho desde criança porque se não, um dia, eu iria resolver usar e seria tarde demais porque eu perderia o pouco de audição que tenho ao longo dos anos, a minha decisão foi tomada, talvez, lá pelos 40 anos eu me arrependa disso, mas é algo que tenho que trabalhar para poder abaixar a guarda e mudar o rumo da minha decisão, mas sinceramente, eu tenho inventado desculpas demais, deixado pra lá, espero que eu saiba lidar com as consequências quando chegar a hora.
Enfim, hoje em dia o preconceito contra deficientes é bem menor, mas mesmo assim, deixo um recado para vocês amiguinhos, nunca zombem de um deficiente, acredite se quiser, a nossa luta para ter uma vida no minimo decente, é o dobro da luta de vocês.
E sabe o que é pior do que isso?
Saber que alguém próximo a você acha que eu só tenho um bom emprego porque eu tenho deficiência e faculdade. Sim, essa pessoa existe fora da minha imaginação.

Bom, para conseguir o emprego que tenho hoje, não foi só chegar lá e falar que tenho deficiência e faculdade que eles me deram o emprego, eu tive três entrevistas, sai de lá achando que eu não ia conseguir, mas Deus me abençoou.
E a verdade é que, depois que você consegue o emprego, é quando começa a luta diária para você se manter no time, eu passei por muita coisa, mas muita coisa mesmo, que se não fosse Deus, eu não teria conseguido engolir e continuar seguindo em frente, ninguém imagina o tanto que enfrentei no dia a dia, as vezes que cai muito ferido no chão e tive que levantar mesmo sabendo que iria cair de novo. Ninguém sabe o esforço que fiz e continuo fazendo.
Conseguir um emprego é "fácil", o lance mesmo é você continuar sendo bom naquilo que foi contratado para fazer e conseguir manter seu emprego.
Em setembro eu completei 7 anos no mesmo trabalho e isso é mérito do meu esforço diário, eu sei que um dia vai chegar a hora de eu deixar o time, mas enquanto esse dia não chega, eu quero continuar lutando para poder vestir a camisa e a ir a campo
Não vou mentir, 40% das vezes minha deficiência me atrapalha, mas ainda assim eu continuo tentando, muito mesmo.
Nenhuma vitória é grandiosa se não tiver esforços e sacrifícios.
Essa é a verdade.

Outra coisa que esqueci de mencionar ali em cima, uma vez, a diretoria chamou minha mãe na escola só porque eu estava indo para a escola com uma jaqueta de couro, alegando que não era comportamento de menina. Tem base uma coisa dessa?
Fui expulso diversas vezes da sala de aula por usar boné.
Por usar calça larga.
Na época, o preconceito era 40x mais forte do que ainda é hoje.
Ainda existia a velha putaria de que cada sexo tem seu tipo de roupa, seu corte de cabelo ou a maneira de sentar na cadeira. Era horrível.
O que estou querendo dizer é que não julguem os outros galera, não é legal e você não tem noção do quando um jogo de palavras podem ferir uma alma.

O filme é lindo, recomendo para quem não assistiu ainda.
Me lembra da época que eu não conseguia me olhar no espelho.
Eu evitava qualquer coisa que aparecesse o meu reflexo.
A minha sorte é que sou careca, então não precisava olhar no espelho nem para pentear o cabelo.
Assim como o garoto se achava uma aberração, eu também já me achei e muito.
Uma das coisas mais difícil no mundo é viver se sentindo uma aberração, acreditem em mim, sou prova viva disso.
Ainda mais que mesmo estando agora na fase adulta, eu ainda escuto pessoas falando que eu sou muito esquisito, feio, fora do comum, esquisito tem sido a palavra mais usada, acho que se eu ganhasse um real para cada vez que escutei nos últimos meses, dava até para pagar uma conta.
O garoto do filme aguentou firme.
Eu aguentei firme por um tempo, mas tive várias recaídas.
Esses dias estou enfrentando uma das minhas maiores recaídas, não estou mais querendo lutar pelos meus sonhos, não to querendo mais lutar contra a humanidade transfóbica, não estou mais me sentindo forte para dar um passo a frente na minha vida.
Na verdade, eu não to dizendo que vou abrir mão de tudo o que conquistei até aqui, mas sabe quando você esta tão cansado que o que você conquistou passa a ser suficiente, mas só por não ter mais forças para lutar? Pois é. Não tenho mais, talvez daqui uns dias eu reencontre a força e retome a luta, mas pelo menos por enquanto, tudo o que eu quero, é ficar no meu canto, vivendo minha vida do jeito que dá e só seguir em frente. Sabe?
Enfim...
É preciso de muita coragem para ser diferente em um mundo que mata por qualquer coisa.
Falando em matar...Amanhã é dia de votar e simplesmente eu não quero nem ver o que será de nós se o Bolsonaro ganhar, mas o jeito é ir votar e torcer para que seja uma votação justa e que se ele ganhar, que o povo que votou nele, saiba lidar com as consequências quando o cara começar a fazer merdas atrás de merdas e voltarmos para 1920 onde o preconceito e o racismo eram servidos em bandeja de ouro, não posso evitar isso, mas espero que todos votem com consciência 

Eu ainda não me aceito 100% como trans, tenho grande dificuldade disso, acho que parte dessa dificuldade é por saber que no fundo, no fundo, eu não vou conquistar tudo o que eu quero ou talvez pela maneira distorcida que aprendi as coisas quando era criança, porque quem me conhece sabe, que tentei ser a mulher que meu corpo diz ser, tentei até onde eu podia e quando não tinha mais forças, deixei a mascara cair no chão e o mundo ver quem realmente sou.
Ainda existem pessoas me chamando de sapatão, só porque ainda tenho seios.
Ainda existem pessoas que me olham de lado como se eu fosse um bicho, mas com as lições que a vida nos da, a gente vai aprendendo a filtrar as coisas e vida que segue.

Graças a Deus, no meu serviço tem pessoas que já me tratam como o homem o qual me identifico, me tratam realmente como homem e isso me deixa muito feliz porque vejo que apesar de eu ter criado uma personagem e feito acreditarem que era real, hoje, algumas pessoas ainda conseguem enxergar quem eu sou através da minha alma.
E isso é muito bom, nunca achei que um dia eu iria conseguir.
Agora quanto a minha família, eu desisti completamente, eles não me tratam como homem e nem me chamam pelo nome social, mas eu tenho amigos e colegas que me levam para uma realidade em que posso ser eu mesmo sem ter medo de algo.
Mas cada um no seu tempo, isso é algo que repito para mim mesmo todos os dias, é que quando vejo que a pessoa nem está se esforçando está isso me irrita completamente, mas como minha vida esta dividida entre aqueles que acreditam e os que não.
Não espero mais que minha família se adapte a minha verdadeira identidade, é preciso saber respeitar e compreender a decisão de cada um, no resto, sou eu mesmo no trabalho, todos os dias e o dia todo, quanto a minha família, ter decidido não esperar que um dia eles me veem como homem foi a melhor coisa que fiz.
É preciso encontrar um meio termo sobre os fatos da vida, se não, ngm consegue tentar ser feliz no mundo de hoje.

Enfim, vou encerrar por aqui, pois estou quase dormindo no teclado e nem sei mais se as coisas que estou falando faz algum sentido.
Eu volto em breve.

Se cuidem.

Um abraço,

Pedro.


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