quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Carta para ela 24/10


"Querida avó.
Aqui estou eu novamente te escrevendo, como se você mesmo ler.
Ou como se eu acreditasse mesmo que de alguma maneira você sente o que está no meu coração.
Acho que no fim das contas, escrevo mais por mim mesmo.
Para tirar um pouco o peso do meu coração.
Ou aliviar a minha alma da dor da saudade.

Um ano se passou e aqui estou eu novamente.
Hoje teria sido seu aniversário.
Acho que só não foi tão difícil de lidar com esse dia, porque você nunca quis festas.
Nunca quis bolo e parabéns.
Nunca foi de presentes.
Sempre insistiu para que fosse uma data normal como qualquer outra.
Se essa data tivesse ficado marcada com festas, acho que seria mais difícil.
É estranho de qualquer maneira.
Porque o telefone não toca mais.
Não tem mais sua irmã Solange falando "É a aniversariante do dia?"
Ou suas amigas ligando.
Não tenho que te levar para cuidar do gato da sua amiga enquanto ela viaja.
E quer saber o que é mais louco?
Sempre imaginei que quando você partisse, nossa geladeira estaria cheia de cervejas.
E fumaríamos dentro de casa.
Mas eu estava completamente errado, sua regra continua sendo mantida.
Não tem bebidas aqui e ainda fumamos lá fora.
Sinceramente, acho que nada mudou.
Eu me via saindo com os amigos e voltando tarde, porque a senhora não estaria infernizando minha mãe com a hora que eu iria chegar.
Isso também não aconteceu.
Acho que essas coisas deixaram de fazer o menor sentido e passou a ser bobeira.

Hoje, consigo entender porque você não gostava de ficar no seu quarto e nem queria que a gente colocasse uma TV pra vc lá, vc dizia que se sentia sufocada, não gostava de estar em um local todo fechado.
Pois bem, agora quem sente isso sou eu.
Só tenho entrado no seu quarto para dormir.
Sim, ainda é seu quarto e sempre será.
Tem dias que não quero dormir lá, porque a saudade aperta demais, a ponto de me tirar o ar, o sossego, a paz e o sono.
Mas minha mãe e a Kiara ainda dormem na sala e elas revezam o sofá cama com o sofá padrão.
Logo, não sobra lugar, a menos que eu trouxesse o colchão, mas sem chance, o negócio é extremamente pesado.
Ai faço uma oração, viro pro lado e tento dormir.
Mudei algumas coisas no seu quarto, não para te esquecer, mas para ser menos doloroso, entende?

Tem dias que é bem difícil sem você aqui.
No fim das contas vamos continuar morando neste apartamento e querendo ou não, aqui está cheio de suas lembranças.

Um ano se passou e ainda parece que foi semana passada.
Parece que foi semana passada que resolvi não te visitar.
Porque eu sabia que perderia meu chão e precisava trabalhar para pagar as contas.
Parece que foi semana passada que você me deixou.
Parece que foi semana passada que eu me arrependi pelo restante de toda a minha vida.
Cheguei tarde demais.

Um ano se passou e eu ainda tenho essa sensação de que cheguei tarde demais.
É muito ruim sentir que por mais q vc corra, é tarde.
Por mais que vc tente, é tarde.
Por maior que seja sua velocidade, sua vontade, é tarde.
Tarde demais para mudar o final da história.
Tarde demais para mudar o rumo da história.
Tarde demais para colocar uma virgula embaixo do ponto final.
Tarde demais para querer fazer a diferença.

E você tinha uma fé tão grande, sincera e bonita, que do fundo do meu coração, da minha alma, eu desejo que você esteja mesmo ao lado de Deus, que esteja descansando e sendo feliz.
Que o paraíso seja como falam por aqui na terra.
Que você esteja realmente bem.

Lembra quando eu te chamava de GPS humano?
Semana passada fui em um mercado chamado Makro, me perdi duas vezes rs.
Isso não teria acontecido se você tivesse aqui, mas ok, eu te perdoo rs.
Sinto muito a sua falta.
Mais do que pode imaginar.
Nunca esquecerei de você.
De quem você foi pra mim.
Do que você fez por mim.

Eu sei que a sua religião, a que você nos ensinou não permite tais coisas.
Mas a verdade, é que se o seu corpo tivesse sido enterrado aqui perto, pelo menos uma vez por semana eu visitaria seu túmulo.
Eu sei que você não ia nem saber que eu estaria lá, que teria flores lá ou que me escutaria.
Mesmo você não me respondendo, sei lá, parece que dá uma sensação de paz, sabe?
Escrever aqui no blog costumava me dar essa paz, mas não dá mais como antes.
Algo mudou.
Talvez porque eu não tenho mais vindo aqui com frequência.
Eu não sei.

Enfim...
O Matheus está bem, não está trabalhando ainda, mas está procurando.
Meu pai também, nós recorremos com a aposentadoria, o resultado não saiu ainda, mas ele esta bem.
Minha mãe também está bem. Segunda-feira ela vai fazer o exame para ver se tem a mesma coisa que você e espero em Deus que não, eu não posso mais perder ngm, além de que meu coração não aguentaria outra perda tão grande, só me restou ela.
A pessoa mais importante da minha vida inteira.
Sim, eu sei que tenho o meu pai e o Matheus ainda, mas eles vivem a vida deles como se morassem sozinhos, sabe? Sai sem falar nada, volta sem falar nada e tal.
A Kiara está chata, intrometida e não para de morder.
A Soraya e o Luciano também estão bem.
O Thiago não sai da casa da namorada. E eu achando que ele era gay rs.
Do Lucas, você teria orgulho, ele está trabalhando e estudando a noite. Ajeitando a vida.
A Sabrina continua morando lá no cu do mundo, as vezes visita a gente, as vezes não.
Mas o lance "família" acabou mesmo.
Todo mundo se afastou, teve brigas que afastaram pessoas que dura até hoje.
É chato, mas é a vida.
Acho que no fim das contas, você quem mantinha a família unida.
Ah! Já contei que a Nancy voltou pra cá?
Pois é, ela é nossa vizinha de novo.
As vezes pega um pratinho de comida aqui, as vezes nos traz um docinho.
Sempre falamos com ela pelo muro do quintal, parece coisa de gente antiga rs.

Enfim...
Não consigo me perdoar, sabe?
Poxa, eu tenho bacharel em enfermagem, como que eu não vi os seus sintomas?
Como que eu não vi que você estava adoecendo cada vez mais?
Como que fui deixar vc me convencer de não ir ao médico com você?
Como que eu pude não aparecer nas visitas da última semana?
Eu sei que são bastante perguntas, mas me mata não ter as respostas.
Talvez com o tempo passe, eu não sei. Talvez não.
A gente ainda não fala abertamente sobre você, ainda é difícil.
Não falamos sobre o seu aniversário, não sei se minha mãe lembrou e se gostaria de falar disso.
Prefiro deixar ela no tempo certo querer falar sobre vc.
Não sei se um dia isso aconteceria.
Não to sabendo de muita coisa, na verdade.

O tempo está bem seco, não chove, minha sinusite atacou.
Meus dois joelhos doem e minhas costas mais ainda.
Acho que é o peso.
Se você tivesse aqui, já teria me criticado e eu já teria ficado puto.
Teríamos brigado para fazer as pazes três dias depois rs.

Enfim, saiba que esta data sempre será lembrada, tenha certeza.
Você foi uma pessoa muito especial na minha vida e na vida de outras pessoas também.
Sempre terá uma moradia em nossos corações.
E eu realmente sinto muito, muito mesmo, mais do que consigo falar.
Mas no fim das contas, o único lado bom de vc ter partido, é que não está aqui vendo as desgraças que acontece nesse mundo, é triste demais, vc não tem noção.
O que o ser humano fez com o planeta que Deus nos deu para morar é tão triste que não me surpreende que um dia ele chegará mesmo ao fim.

Espero que vc esteja se cuidado.
Um grande abraço.
Te amo.

Pedro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário