quarta-feira, 30 de agosto de 2017

O capitulo de ontem - A força do querer


Ufa, finalmente consegui parar para escrever sobre o capitulo de ontem da novela como eu havia prometido mais cedo.
Foi uma cena muito forte, me trouxe a tona muitas lembranças de tristes momentos que passei, inclusive, fui fumar la na varanda e de lá da pra ver a TV, terminei de fumar e continuei lá pq eu não estava conseguindo segurar as minhas lagrimas e não queria que minha mãe (ela estava na sala vendo a novela tbm) visse, então fiquei mais um tempo lá até me recompor, depois entrei e deitei no sofá e só sai de lá na hora q a novela acabou.
Fui muito tenso, foi doloroso, foi agoniante, foi comovente, foi uma mistura de todos os sentimentos ao mesmo tempo, mas gostei muito desse capitulo, muito mesmo, de verdade.
Achei que a atriz que esta interpretando a Ivana interpretou a dor de um transexual 100%, eu não conseguiria fazer melhor, claro que ela nunca vai saber da minha opinião né, mas se eu pudesse, acho que ficaria sem palavras para conseguir agradece-la por nos interpretar tão bem.

Quando minha mãe e eu estávamos brigados, lembro vagamente dela ter falado algumas vezes que não sabe onde errou. A verdade é que ela não errou, a culpa não é dela, a culpa não é minha, ninguém tem culpa, porque uma pessoa nasce transexual, não tem como evitar, apenas algumas pessoas como eu e a Ivana demoram um pouco mais de tempo para conseguir entender exatamente o que esta acontecendo com si mesmo.

Me perguntaram o que eu achei.
Pessoal, a novela representou a dor e o desespero dos dois lados.
O lado do trans que não é nada fácil viver em um corpo que não é seu, viver todo o preconceito, viver sabendo que qualquer dia desses vai acabar se deparando com algum transfóbico que pode simplesmente te dar uma surra por ser quem você é ou até mesmo te matar.
Eu por exemplo, nunca sofri agressão física, mas se eu recebesse 1 real para cada agressão verbal que já levei nessa vida, já teria trocado de carro ou comprado um PS4, sério mesmo.
Ser trans dói, é difícil e complicado, sim!

Mas ser pais de trans tbm é difícil.
Principalmente para aqueles como os meus ou aqueles parecidos com da Ivana.
É difícil porque eles não entendem que não é loucura, não é doença.
É difícil pq muitos deles (como os meus) tem uma religião que não importa se somos pessoas boas ou não, por ser trans, já estamos condenados ao inferno.
É difícil pq desde que fomos bebezinhos, eles já fizeram planos de uma vida inteira para nós que infelizmente não encaixaram com os sonhos que temos para nós mesmo.
E mais um monte de motivos.

Hoje de manhã vi no fb uma porrada de de gente falando mal da novela, que deveriam ter feito com que os pais aceitassem, para que os pais que assistem aprendam a aceitar e ver a diferença que faz na vida de um trans quando os pais aceitam.
Gente, não é assim que funciona, seria fácil demais da conta.
Se vocês querem final feliz, na boa, vão assistir algum romance na netflix.
Porque o que mostraram ontem é a realidade de 90% dos trans brasileiros.
E eu estou dentro desses 90% ou vocês acham que eu e minha mãe sempre nos demos bem como damos agora? Claro que não! É como eu falei, teve uma época em que eu saia do trabalho e ia pro bar, só chegava em casa da noite quando ela estava dormindo e acordava pra trabalhar antes dela acordar, a situação era insuportável, eu cheguei a ligar em alguns hotéis para reservar um quarto e ficar por um tempo, não cheguei a ir pq se eu fosse e investisse a minha grana no hotel, eu não poderia ajudar financeiramente aqui em casa como eu ajudo e eu sempre fui assim, eu sempre me coloquei em segundo lugar, mesmo eu não querendo voltar pra casa, mesmo desejando nunca mais estar aqui, eu voltava, eu voltava porque sempre lembro que prometi a mim mesmo que enquanto eu trabalhar, vou ajudar em casa sim, não vou faltar com nada não, costumo cumprir as coisas que prometo.


Foi muito difícil, a novela me machuca pq nas cenas da Ivana minha memória volta para aqueles anos infernais e vou dizer para vocês, não foi fácil não, não foi nada fácil, fiquei por muitos dias jogado no chão sem ter coragem de levantar e continuar lutando, claro que graças a Deus eu tive ajuda de amigos, que infelizmente não tenho mais contato, mas eles estiveram lá quando precisei e hoje nosso relacionamento é bem melhor.

Bom, a gente não fala sobre a minha transição abertamente.
Ela não me chama de Pedro e não fala comigo no masculino.
Na verdade ela não aceita isso, mas respeita.
Ela não fica mais colocando obstáculos no meu caminho.
Ela não chora mais, não grita mais e não se culpa mais.
Eu já falei que quero um dia (quando eu tiver grana) tirar totalmente os seios.
Que quero tomar hormônios.
Que quero mudar meu nome nos documentos.
Ela sabe de tudo isso, os detalhes mais pessoais eu já não falo.
Não falo quando estou gostando de alguém ou quando estou namorando com alguém.
Na verdade, não falo quase nada, o que ela sabe é as coisas que eu falo no blog quando ela vem ler, mas ela lê e tbm não fala nada e sinceramente acho até melhor assim essa nossa comunicação dentro do silêncio, pq sabe eu tive o meu tempo, para descobrir o que sou, entender, aceitar e ela tbm esta tendo o dela, assim como minha avó tbm terá o dela um dia.
Acho que vale reforçar não só para a minha mãe, mas como para todos os pais do mundo:
NÃO FOI CULPA DE VOCÊS!
NÃO FOI CULPA MINHA!
NINGUÉM TEM CULPA!
ISSO NÃO É UMA ESCOLHA, NÃO PODE SER MUDADO.
ISSO NÃO É PIRAÇÃO NOSSA, É A REALIDADE.
NÃO ESTAMOS FAZENDO ISSO PARA FERIR VOCÊS.
NÃO ESTAMOS QUERENDO CHAMAR ATENÇÃO.
ESTAMOS QUERENDO APENAS VIVER COMO REALMENTE SOMOS.

Enfim, parem de criticar a novela, basta não assistir.
Não são todas e todos os trans que tem apoio da família, ok?
A novela mostrou ontem que é difícil para os dois lados.
Não te agradou não assiste, simples assim.

O mal de todo trans é que quando eles chegam no topo, eles se esquecem de tudo de ruim que tiveram que passar até chegar lá.
Se esquecem de obstáculos que quase os fizeram desistir.
Esquecem de onde vieram. Esquecem tudo, principalmente, que tem trans que estão apenas começando a longa e dolorosa caminhada.

Um outro trans publicou que na opinião dele, os trans não devem explodir com os pais como a Ivana explodiu. Bom, a minha opinião é o contrário, eu explodi com a minha mãe, com a família toda e não me arrependo disso não, pq eu sei que se eu tivesse tentado contar em uma conversa simples eu não teria conseguido, eu teria travado ou eles tentariam me convencer de que não sou trans.
Tem família como a minha que só da pra falar o que realmente queremos no grito.
Minha prima de 14 anos revelou que estava grávida e todo mundo no final das contas reagiu bem, mas ser trans parece ser, nossa senhora, um assassinato em série contra crianças, não é possível.
Quando eu vi que a bomba da minha prima não fez estrago nenhum, joguei a minha bomba tbm, claro que a minha fez estrago, mas eu fiz em um momento de raiva que saiu tudo de uma vez, como um tiro no alvo, foi aquilo e pronto e acabou.
Algumas pessoas me surpreenderam ao me apoiar.
Outras me surpreenderam por não apoiar.
Mas eu fiz e não me arrependo disso, na verdade, acho até melhor assim, pq quando dito uma vez, não pode ser apagado. 
O meu único arrependimento é não ter explodido com a minha avó tbm, pq agora eu fico nesse enrolo para contar, fico nessa insegurança, nessa vontade absurda, nessa raiva, nesse medo, nessa mistura de sentimentos que parece que vai me matar.
Eu quero muito que ela saiba e quero logo e pelo que eu me conheço, talvez eu só fale, quando houver outra bomba familiar para eu jogar a minha junta e não acho isso justo.
Eu sonho acordado com o dia que ela saberá e eu serei 100% livre.
Sonho acordado com meus documentos trocados, com meus primeiros pelos de barba nascendo.
Eu tenho ansiedade de viver essa vida, pq já tenho 31 anos e não sei mais quanto tempo eu tenho.
Posso morrer essa noite, posso sair pra trabalhar e morrer no caminho, pode tantas coisas acontecerem e eu quero muito, mas muito mesmo, viver um pouco dessa vida antes de morrer.
E da maneira que as coisas estão andando, não sei se vai dar tempo.
Pq o defensor público eu não consigo.
Vou precisar juntar grana pra ir pelo particular.
O tratamento de hormônios parece que é só fantasia ainda mais depois que eu fui hoje na consulta e me deram o endereço errado.
A cirurgia então, vish, só quando eu ganhar na mega sena rs.
Mas ok.
Graças a Deus, no meu trabalho, eu posso ser quem sou sem limites algum.
Lá eu esqueço que é preciso de uma guerra inteira para realizar simples sonhos de ser quem sou.
Lá eu fico bem, meu humor fica bem, me sinto saudável, me sinto feliz. Essa é a verdade.

Nós só temos uma vida, infelizmente, apenas uma.
E graças a uma sociedade escrota do caralho a gente passa metade da vida tentando conquistar nossos sonhos e muitos de nós, morrem antes de conseguir conquista-los.
Eu lamento muito que eu não sou a menina que minha mãe queria que eu fosse, mas eu tenho certeza, que tenho demostrado a ela, que eu a amo mais do que tudo na vida e faço qualquer coisa par ave-la feliz. Não escolhemos isso, nascemos assim.
Não é culpa de ninguém.

E eu tenho percebido que quanto mais o tempo vai passando e eu não to dando nenhum passo pra frente, eu vou me fechando novamente, eu vou me afastando das pessoas, de pessoas que não tem culpa, mas me afasto, vou construindo muros ao invés de pontes.

Sinceramente, uma pessoa que não é trans, NUNCA vai entender a guerra que vive dentro da gente.
Essa guerra não deveria ser suficiente?
Precisamos ter um grupo politico tornando cada vez mais as coisas impossíveis?
Precisamos ter uma sociedade escrota pra caralho a ponto de achar que são Deus pra decidir quem vive e quem morre? O que é certo ou errado?
Precisamos ter a intolerância do ser humano?
Precisamos ter o preconceito? O racismo?
Porque o negro não se torna negro, ele é negro, assim como o trans, ele não se torna homem, ele é.
As vezes fico muito decepcionado com o mundo em que vivemos e para ser bem sincero, em minhas orações, já até pedi perdão a Deus por termos estragado o planeta que ele nos deu para morar de uma maneira que não tem como consertar. Pedi perdão por termos estragado o que poderia ter sido lindo, leve, encantador, que poderia ter sido espetacular, se não fosse a burrice do humano que insiste na mesma merda todo santo dia, como por exemplo essa ideia nojenta de que acabarem com o nosso pequeno paraíso conhecido como amazônia, se eu pudesse, vomitaria na cabeça de quem teve a maldita ideia.
Se eu pudesse, queria matar todos aqueles que mataram qualquer um da comunidade LGBT, mas eu sei que eu não sou Deus, eu não posso decidir quem vive e quem morre, mas eu posso e acredito que ele fará justiça para cada caso, disso, eu tenho certeza absoluta.

Gente, na moral, a vida já é difícil demais, para que complicar mais ainda?
Não tem cabimento. Não tem mesmo.

Vocês viram como a Ivana sorriu quando cortou o cabelo?
Vocês viram a alegria nos olhos dela no momento em que ela estava se libertando?
Vocês conseguiram entender que ela estava querendo apenas ser quem ela realmente é, que ela não estava fazendo mal a ninguém? Ou vocês só viram o que queriam ver?
Poque é como dizem né, o pior cego é aquele que não quer ver.
Eu me lembro quando era novinho, eu desejava tanto, mas tanto ter o cabelo curtinho, nossa, eu sonhava com isso, eu prendia o cabelo e enfiava tudo dentro do boné e me olhava no espelho e gostava do que eu via.
Hoje, eu tenho o cabelo curto, quer dizer, eu não tenho mais cabelo né kkkk e gosto assim.
Independente de qualquer pessoa no mundo fale que esta horrível e tal, eu simplesmente não me importo mais, é assim que eu gosto, assim que eu quero e assim que vai ficar.

Bom galera, por enquanto é isso que eu tenho pra falar por hoje.
Talvez eu volte mais tarde ou amanhã, ainda temos muito o que falar sobre.
Não se esqueçam, que o Google pode muito bem te ajudar a entender aquilo que você não consegue.
Ou podem simplesmente perguntar para um trans, como eu, que gosta de ensinar as pessoas.

Ah! Só mais uma coisa.
Vocês ouviram a Ivana pedindo desculpa para a mãe dela?

Mães de trans, nós sentimos muito, mas muito mesmo, por as coisas não terem saído como planejado, acreditem, queríamos que tivesse sido mais fácil ou diferente.
Mas não nos culpem, eu não posso mudar o que eu sou, seus filhos não podem mudar o que são, vocês não podem mudar o que eles são.
Lembra daquele ditado que diz que o fim da vida é a única coisa que não podemos mudar?
Pois bem, não podem mudar o que somos também.
Vocês podem escolher ficar e participar da vida do filho de vocês e sempre te-lo por perto.
Ou você pode largar mão e se arrepender muito no futuro.
Afinal, uma palavra, dói muito mais do que um soco na cara ou um tiro no peito.
Palavras sangram.

Enfim, vamos assistir a novela hoje e tentem ver de uma forma diferente as cenas da Ivana.
Tentem ver os dois lados, tentem ser justos dessa vez. Ok?
Com calma, vocês chegam lá.

E eu? Eu vou continuar aqui no meu cantinho, sonhando acordado como sempre rs.
Ah! Mais uma coisa rs.
Quando eu estava a caminho da minha primeira consulta com um endócrino que trabalha com casos de transexuais, me deu um frio na barriga, um medo, mas mesmo assim eu fui em frente, pq eu tinha certeza de que era aquilo mesmo que eu queria para a minha vida, pena que o consultório mudou de lugar e ninguém me avisou rs.

De qualquer forma vamos seguindo a vida com duas companheiras do meu lado.
A ansiedade e a esperança rs.

Com carinho,

PD.

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